Reality

O simulacro está na essência de Reality – A Grande Ilusão, novo filme do italiano Matteo Garrone. Na cena que abre o longa, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes no ano passado, a câmera segue uma carruagem e encontra vários atores vestidos em roupas de época. As imagens imediatamente estabelecem a impressão de que o filme se desenvolverá no passado. O disfarce dura apenas alguns minutos, o suficiente para que o espectador descubra que está assitindo a um casamento onde todos usam fantasias, mas serve para deixar claro que o cineasta se propõe a investigar um elemento fundamental à história do cinema – a capacidade de construir uma realidade -, o que Garrone faz, operando entre o real e a sedução do imaginário.

O protagonista não tem nada de nobre: ele é um peixeiro camarada que vive em Nápoles. Luciano usa sua simpatia para conquistar fregueses e atrair comparsas para as atividades ilegais que complementam o sustento de sua família. A Itália corrompida que Garrone retrata no inócuo Gomorra, seu celebrado filme anterior, parece se repetir neste novo trabalho, com o diferencial do uso da comédia. Luciano é um ator nato, quase uma caricatura do que se imagina do italiano, o cara comunicativo, que exagera no gestual, fala alto e sem parar. O personagem usa seu talento natural para cooptar quem está a sua volta, conscientemente ou não, ele se alimenta da própria projeção.

Embora seja um astro nas vizinhanças, o peixeiro não tinha uma exata consciência de sua condição e passava imune ao culto à celebridade que impera por aí. As coisas mudam quando, a pedido da filha, ele faz um teste para participar do Big Brother italiano e encanta os produtores. É aí que Garrone manobra o que deveria ser a grande sacada do filme: o homem que seduz a todos se vê atraído pela possibilidade de notoriedade. A curva do roteiro é sinuosa e se revela um caminho sem volta. Com a munição voltada para a máquina da fama instantânea, o diretor transforma o personagem principal primeiro num obsessivo e depois num psicopata que elimina todas as prioridades de sua vida para se dedicar compulsivamente a conseguir uma vaga no programa.

A proposta promissora de Reality se perde no excesso. A crítica fica óbvia e repetitiva. A criatividade do filme parece empacar depois dos dois terços inciais do longa. Nem o talento natural de Aniello Arena, que interpreta Luciano, sobrevive intacto ao bombardeio de Garrone. Lamentável porque o próprio ator é outro exemplo de simulacro: Arena é um ex-gângster que cumpriu pena por cometer três homicídios e, na cadeia, começou a se interessar por teatro. É o personagen da vida real que virou ator. O exagero do cineasta fez com que ele perdesse a chance de usar mais esse nível de discussão sobre o tema. Garrone caiu na mesma tentação de seu personagem de substituir a vida real pela ficção.

Reality: A Grande Ilusão EstrelinhaEstrelinha½
[Reality, Matteo Garrone, 2012]

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