Sob a Pele

Enquanto manobra um debate sobre onde termina o cinema existencialista e começa o filme-artifício, Sob a Pele parece mesmo estar à procura da imagem perfeita. Cada plano do terceiro longa de Jonathan Glazer é carregado tanto de simbolismos quanto de geometrias e o resultado disso é uma estranha e eficiente comunhão da plástica com a história da alienígena que atrai escoceses solitários para abatê-los em misteriosos rituais de sedução. As imagens, assim como a música macabra do filme, que gerou polêmica por causa do nu frontal de Scarlett Johansson, funcionam como um certificado de autenticidade imposto pelo diretor para validar sua experiência na ficção-científica.

Até mesmo as cenas em que a protagonista aparece nua são filmadas com jogos de luzes e sombras ou em cenários deliberadamente artificiais que trazem a sensualidade inerente à atriz para um campo etéreo onde o cineasta opera, à distância, suas excentricidades. Enquanto diretor, Glazer é um realizador bissexto, que volta ao comando de um longa-metragem quase dez anos depois de Reencarnação, filme que tem alguns laços estéticos e “de espírito” com esta nova obra. Ambos são extremamente apurados plasticamente e guardam pra si muitos de seus mistérios. Se um algo sobrenatural decretava o tom do filme estrelado por Nicole Kidman, um torpor cósmico parece ditar os caminhos da protagonista de Sob a Pele.

Glazer é um homem disposto a transgredir todas as certezas do espectador, dissociando os elementos do filme de seu lugar comum, da nudez ao suspense; ampliando o desconforto ao produzir cenas angustiantes fora do eixo central da ação, como a sequência do bebê; negando informações necessárias para que quem assiste ao filme possa traduzir para si mesmo aquela personagem, quais seus motivos e objetivos. Como tem sido praxe em adaptações, do livro de Michel Faber, sobrou pouco mais do que o conceito original, permitindo ao diretor conduzir a jornada da personagem como uma jornada de transformação a partir de descobertas simples, mas profundas.

O descarte de uma vítima selecionada por engano desperta novas sensações na protagonista e essa inédita sensibilidade, que Scarlett Johansson consegue introduzir com um tom de perplexidade à personagem, funciona em paralelo ao próprio estranhamento do espectador para com o filme. Se há um grande diferencial em Sob a Pele, ele não está exatamente no conteúdo, mas em sua própria estrutura, que assume a condição de obra aberta, rejeitando explicações e soluções para as angústias vividas pela alienígena. O conflito é interior e o diretor busca materializá-lo em imagens estranhas e ruídos que apenas ensaiam uma melodia, o que a rigor pode ser algo bastante banal nos dias de hoje, mas que estranhamente empresta alguma solidez a um filme que convida ao risco.

Sob a Pele EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Under the Skin, Jonathan Glazer, 2013]

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