Lois Lane não viu, mas o olhar cúmplice de Martha Kent denuncia que este filme apresenta o herói de uma maneira diferente. Não que Bryan Singer queira renegar sua herança cinematográfica – mais do que respeitar a cronologia dos dois primeiros longas, ele reafirma a persona do protagonista nas telas – mas o Superman de Richard Donner e o Superman de Richard Lester – supermans clássicos, puros, ingênuos – nunca foram tão humanizados como na nova encarnação. O herói desta aventura é muito mais complexo e igualmente falível. O modo como o filme equilibra esta homenagem a seus antecessores e a inovação no tratamento dado ao herói é sua maior qualidade.
Você nunca sabe muito bem o que esperar do filme, que flerta tanto com o humor quanto se dedica a invadir a personagem. Numa cena, Brandon Routh evoca o Clark Kent desastrado de Christopher Reeve – e não se trata de imitação, mas de uma semelhança natural impressionante -, noutra o roteiro se dispõe aos quebrar verdades mitológicas sobre o homem de aço. Há alguns golpes tão brilhantes e ousados que poderiam inaugurar novos arcos de histórias nunca imaginados nas páginas das HQs. O Superman de Bryan Singer é o mesmo de sempre, apresentado de um modo inteiramente novo.
As imagens espetaculares são muitas. O avanço da tecnologia fez muito bem à demonstração de poderes do herói. O final da seqüência do avião é espetacular, como cabe a um filme do Superman. Mas Singer, e seus roteiristas, estavam muito mais dispostos a testar limites. E não limites pirotécnicos, mas de capacidade narrativa. Cada texto parece dedicado a dar uma nova dimensão à personagem, a sua relação com Lois e com o mundo. O herói de Singer está dividido entre suas obrigações de protetor e sua história individual. Há inúmeros momentos de enamoramento com o linear, o fácil, o clichê, mas as cenas são tão bem escritas e dirigidas que isso só se reverte a favor da história, do filme. Esse limite é quase perene. Superman – O Retorno foi um risco porque, por pouco, poderia escorregar.
Kevin Spacey é um Lex Luthor mais sério, mas que nunca se afasta da interpretação de Gene Hackman. A nova personagem, Kitty, vivida por Parker Posey, é uma um versão atualizada da clássica Eve Teschmacher, da ótima Valerine Perrine. De uma maneira geral, não há grandes surpresas no elenco, mas todos estão bem. E Routh é a reencarnação. Reencarnação do herói, do parâmetro. A principal característica do Superman é como ele é exemplo de comportamento, modelo mitológico para conceitos de ética e justiça. Por ser tão universal, o Superman parece ser um herói tão fácil. Pelo imenso tamanho de suas obrigações, sua lógica parece tão reducionista. Ele não representa as minorias como Wolverine; não está à margem como Batman; nem é o homem comum como o Homem-Aranha. Ao Superman cabe o peso de todos os povos, de um mundo inteiro. E Bryan Singer entendeu isso muito bem.
Superman, o Retorno ½
[Superman Returns, Bryan Singer, 2006]
O Superman é “o” herói.
O resto é tentativa de roteirista fraco de fazer alarde com suposta humanização pela violência.
O do Wolverine? Espero que nunca. É o pior personagem das grandes HQs.
Só brincadeira… hehe.
Ok, Chico. Falei de brincadeira. O Superman não é ousado mesmo. Não é legal. É tímido e quadradão. Concordo.
Quando sai o filme do Wolverine, hem?
O lado “salvador” não é só um lado. Ele é Superman inteiro. Não tinha como mudar isso e acho que o Singer quis mesmo reforçá-lo. Acho o filme todo retrô, pra ser sincero. Desde os créditos setenta. Concordo que ele poderia promover mais este choque com o atual.
Agora, acho indevida essa cobrança que se faz. O Superman não tem que ser ousado. Ele é o padrão. Os outros que ousem.
É que eu noto uma preocupação grande no filme de “modernizar” o herói em coisas que são acessórios – botar na redação do Planeta Diário aparelhos de tevê novos, mostrar crianças tirando fotos em celular – e não em coisas mais fortes, realmente contemporâneas (nisso, X-Men dá banho)… O filme se preocupa demais em explicitar o lado Jesus Cristo Superstar do Superman, mas isso já estava implícito nos outros filmes, na série, nos quadrinhos. Às vezes o diretor força tanto a barra nesse sentido que parece até que está descobrindo a roda.
Agora, há toda uma relação do espectador com o herói que deve-se levar em conta. Eu não tenho esse olhar passional que vc tem em relação ao Superman (respeito essa admiração, apesar de preferir Batman ou Homem-aranha ou, sei lá, Pyro) e, na verdade, acho que ele pode ser às vezes um símbolo bem babaca de passividade politicamente correta nos momentos em que o Singer o mostra como a bondade encarnada, muda e desnorteada (aliás, eu queria que filmassem a cena de sexo entre ele e a Lane, deve ter sido papai e mamãe no máximo).
Eu acho natural a semelhança com o filme do Donner já que ele se propõe a seguir a cronologia dos dois primeiros longas. Acho que é conseqüência. Acho que tudo relativo ao Luthor e a seus comparsas segue a lógica do histórico da personagem. O plano é maluco e infantil mesmo e a Kitty é a srta. Teschmacher revisitada.
Entendo e concordo quando vc diz que ele poderia ter confrontado o herói com o mundo atual e seus problemas, mas acho que foi uma opção manter a linha dos outros filmes. É um resultado que talvez não tenha tanta criatividade, mas que não é esquizofrênico como nos Batmans.
E ainda sobre a humanização, não falo apenas da seqüência que culmina com a visita de Lois ao Superman, mas ao fato da própria Lois ter casado, ser mãe, etc.
Eu acho que ele homenageia mais o filme de Donner que qualquer outra coisa… No mais, acho que o Singer fracassou na idéia de trazer o Superman para uma outra época (de ver o que acontece depois que ele volta). Na verdade, ele volta para o mesmo mundo dele de sempre, com a diferença de que há televisores de plasma na arquitetura à anos 40. O diretor perdeu uma bela oportunidade de contrapor esse herói “puro” ao mundo de hoje. Imagina, o plano do Luthor é totalmente estúpido (tornar o planeta inabitável para que todos vivam em uma ilha… inabitável). Eu acho o Luthor do Smallville mil vezes mais interessante.
Mas concordo que o Superman do filme tem mais a ver com o dos quadrinhos. Ainda que, nesse sentido, parece ate que ele está vivendo no “Feitiço do tempo”. Toda vez que acorda, descorbe que está no mesmo filme do Richard Donner.
Não tem chateação nenhuma. Podemos falar horrores sobre o filme. Tem, sim, uma situação específica, mas acho que o filme todo tem pinceladas disso. Confesso que eu tenho uma visão muito passional sobre o Superman, que sempre foi meu herói favorito, ao contrário de todo mundo. Achei que é um filme que, ao mesmo tempo, homenageia o herói e traz boas novidades para sua trajetória.
Sobre essa coisa ousada que redefine o personagem, você está falando especificamente de uma situação? (que não vamos contar aqui para não estragar surpresas).
Desculpa a chateação, é que na cabine que vi o filme, todos acharam um saco (eu, inclusive), e fiquei aqui pensando que seria legal trocar idéia com alguém que tivesse gostado do filme. Enfim. É só isso.
Tiago, não quis dizer que o Superman-exemplo é o do filme. É o Superman, personagem, que é assim. Esse parágrafo final é uma resposta aos contantes ataques ao herói justamente por ele ser o “modelo” de herói. Tudo que vem depois é variação. O Superman é o padrão. Então, o que segue tem obrigação de ser diferente. Ele não.
Agora, o filme realmente parece muito com o do Donner, sim, mas a diferença entre os dois é que o filme do Donner mantém uma relação estática com o herói dos quadrinhos. Esse filme novo impõe dramas pessoais, situações que o Superman nunca passou nas HQs, que são material novo na mitologia do herói. Isso é muito ousado porque quebra alguns parâmetros, inclusive, de mercado. Mais do que mudar a cor dos uniformes dos X-Men.
Eu adoro X-Men 2, mas tb gostei demais de Superman, O Retorno.
Chico, acho que seu texto vale tanto para o Superman do “Superman – O retorno” quanto para o de Smallville. Exemplos de ética e justiça, todos são. Até o Superman de “Em busca da paz” é. Agora, eu não consegui ver em “Superman – O retorno” essa humanização do personagem que vc diz. Aliás, o Superman mais que nunca parece feito de plástico. Até o de Smallville é mais “humanizado”, nesse sentido que você está usando. Respeito suas opiniões, ok. Mas acho que o filme do Singer deva ser analisado num contexto em que estão várias outras adaptações do super-herói. Não consegui ver esse lado “inovador” na abordagem do diretor não. É muito, muito parecido com a de Richard Donner. Eu queria que você me apontasse cenas ou momentos do filme que demonstrem essa humanização, ou essa “inovação”.