Tokyo Family

A herança deixada por Yasujiro Ozu influenciou dezenas de cineastas no Japão, especialmente aqueles que se dedicam a explorar os detalhes do cotidiano das famílias japonesas, o papel da mulher na sociedade e os pequenos mistérios das relações interpessoais. Mas em Uma Família em Tóquio, Yôji Yamada foi além da homenagem ao mestre, o cineasta promove uma releitura, quase literal, do filme mais cultuado de Ozu, Era uma Vez em Tóquio, eleito melhor filme de todos os tempos pelos cineastas na última enquete da revista Sight & Sound, um longa do qual “rouba” a ideia do título, dos personagens e da história, adaptando todos para os dias de hoje.

Os protagonistas são um casal de velhinhos que vive no interior do país e resolve passar uns dias em Tóquio, visitando os três filhos que há tempos se estabeleceram na capital e que pouco têm visto. Yamada assume o discurso que Ozu defendeu 60 anos atrás, colocando os valores familiares e a vida urbana contemporânea como opostos. Aos poucos, os pais percebem que têm um espaço cada vez menor no cotidiano dos filhos.

Yamada justifica a possível inocência do discurso, com contextos realistas, como o problema do emprego no país e a tragédia de Fukushima, mas a maior força dramática do filme está mesmo na forma. Como estudioso do comportamento do japonês, Ozu fez muitos longas sobre o microverso familiar, filmes que pareciam capítulos de um grande filme sobre o dia-a-dia no Japão. Yamada, numa espécie de emulação do cinema de Ozu, repete a fórmula e aposta na simplicidade.

Simplicidade que às vezes vem de trem. Eles, marcas fortes do cinema do cineasta, aqui parecem ser válvulas de escape para a desilusão do casal de protagonistas. Parecem estar ali como uma saída possível para a vida na cidade grande. Na cena mais bonita do longa, a mãe visita a casa do filho caçula, um personagem que não aparece no longa de Ozu, e é aí que Yamada apresenta seu diferencial. O momento já é emocional porque o casal de velhinhos já sofreu uma indesejada separação e é justamente na casa do filho mais “irresponsável” que a mãe finalmente se sente acolhida.

No meio desta sequência, o diretor nos apresenta sua Noriko, metamorfoseada da personagem clássica de Ozu. A referência, o poder dramático, o caráter de homenagem transformam este momento, de ponto de apoio e respiro para a protagonista, numa cena mágica para o cinéfilo, que o prepara para os momentos tristes que estão por vir. A sensibilidade de Yôji Yamada o tornou a pessoa certa para resgatar não apenas o cinema de um mestre, mas as ideias de um humanista.

Uma Família em Tóquio EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Tokyo Kazoku, Yôji Yamada, 2013]

Comentários

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4 comentários sobre “Uma Família de Tóquio”

  1. Adoro Yoji Yamada. Será que eu perco muito se assistir esse filme sem antes ter assistido “Era uma Vez em Toquio”? Já tentei duas vezes e, pra minha vergonha, não consigo chegar até o fim.

  2. Vi ambos os filmes, e entre as críticas de Uma família em Tóquio que li até agora, a sua é a única que destaca o que você bem sintetiza como o “diferencial” da versão de Yamada: a vivificante presença de Shoji, literalmente morto em Ozu. No entanto, figura crucial nesta belíssima reinvenção de Yamada – muito além de mera adaptação modernizante.

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