Em 1939, o cartaz da então noca comédia de Ernst Lubitsch, Ninothcka, anunciava: Garbo laughs. Greta Garbo, a dona do I want to be alone, explodia numa gargalhada numa das cenas do filme. A situação era tão inusitada, tal era a mística em torno da sisudez da atriz, que virou o principal chamariz para Ninotchka. O cartaz de Uma Mulher é uma Mulher, segundo filme de Jean-Luc Godard, poderia tranqüilamente trazer: Godard ri. Antes de embarcar no hermetismo que viria a se tornar característica fundamental de sua obra, o cineasta permitiu a si mesmo um momento Ninotchka.
Uma Mulher é uma Mulher é uma comédia que se alimenta do mesmo espírito das comédias maluquinhas que deram o tom do humor entre o final dos anos 50 e o início dos 60, como aquelas que consolidaram o mito Audrey Hepburn. A história é simples: Anna Karina quer ter um bebê. O marido Jean-Claude Brialy não. Ela insiste e, diante de uma nova recusa, tenta viabilizar a idéia com outros, entre eles Jean-Paul Belmondo. Se tivesse surgido nos Estados Unidos, seria uma brincadeira divertida. Mas um diretor como Godard jamais deixaria sua marca passar incólume.
Godard brinca o tempo todo. Brinca com o tempo. Brinca com o todo. A montagem acelera e desacelera o ritmo do filme, sempre negando o padrão da seqüência anterior. A música vai e vem, deixando para o espectador a sensação de estar a mercê do divertido jogo criado pelo diretor. Não como saber o que virá. Anna Karina e Jean-Claude Brialy, numa química perfeita, entram na brincadeira. O espírito livre de uma recém-iniciada década de 60 conduz suas interpretações. Brialy, não raro, parece estar anunciando o Antoine Doinel de Beijos Proibidos (68) e Domicílio Conjugal (70).
Truffaut, por sinal, ganhas duas pequenas homenagens. Belmondo encontra Jeanne Moreau num bar e pergunta: “ainda está com Jules e Jim?”. Em seguida, Anna Karina é atingida por balas imaginárias saídas dos dedos de uma amiga e lembra que Charles Aznavour estava genial em Atirem no Pianista (60). Bom ver que Godard sabe ter humor quando quer. Um cineasta do talento dele poderia se permitir rir de vez em quando. Mesmo que seja num filme sem grandes pretensões. Mesmo que seja só de vez em quando.
Uma Mulher é uma Mulher
[Une Femme est une Femme, Jean-Luc Godard, 1961]