CINEMA CATÁSTROFE

Van Helsing traz de volta às telas um gênero clássico do cinema: o filme ruim

Existe uma bela dezena de razões que fazem de um filme, um filme ruim. Uma delas, talvez a maior, é a qualidade do texto que vai parar na tela. O roteiro é a matéria-prima do cinema, mesmo que o que o envolva (fotografia, edição, interpretações, direção de arte, música e, por fim, a direção em si) chame mais atenção e “signifique” mais quando o assunto é criação cinematográfica. Se o texto é ruim, o filme, invariavelmente, vai pelo mesmo caminho. Diálogos não precisam ser críveis ou rebuscados (a fantasia, a bobagem ou as referências não são necessariamente garantias de um filme bom), mas um texto bem escrito é a base para qualquer bom material fílmico. Quando o roteiro em questão é um roteiro adaptado, a exigência de qualidade é maior. E se a obra de referência é conhecida, cultuada e reconhecidamente bem escrita, a responsabilidade do roteirista torna-se imensa: fazer um bom texto e respeitar a competência do original.

Em nome da liberdade artística, expressão que virou justificativa para deturpações de tamanhos variados em textos diversos, não são poucos os pecados registrados na recente história do cinema mundial. Van Helsing, novo filme de Stephen Sommers que vem ganhando enxurradas de dinheiro pelo mundo afora, não se baseia numa obra específica, mas reaproveita um personagem clássico num versão reloaded hi-tech. Van Helsing, o original, é, em poucas palavras, o homem que caça Drácula, o conde vampiro criado por Bram Stoker no romance homônimo do final do século 19 (que ganhou uma versão definitiva para o cinema com Francis Ford Coppola, em 92). Drácula, assim como outros “monstros” legendários, ganhou uma força impressionante nas primeiras décadas de Hollywood. Nos anos 30, o vampiro virou ícone do cinema de terror. Um tipo de filme que fez muito dinheiro e fascinou gerações inteiras, entre elas a do cineasta Stephen Sommers.

Trabalhando para a Universal, dona dos direitos para o cinema das principais criações dos filmes de terror, Sommers resolveu reunir num mesmo filme três dos maiores mitos do gênero: o monstro criado pelo Dr. Viktor Frankenstein, o lobisomem e o próprio Drácula. Para juntar os personagens num só pacote, o diretor/roteirista escolheu a figura de Van Helsing como algoz das criaturas e protagonista do filme. O resultado é um arranjo malfeito que, não apenas deturpa as criações originais (criando novos perfis e “passados” para os personagens e apresentando outros personagens que rearranjam toda a história), mas os coloca no meio de uma trama tosca, com toques de ficção-científica, tão mal escrita que um dos adjetivos mais fiéis ao espírito do filme seria ridículo. Os diálogos são tão constrangedores que os próprios atores (Hugh Jackman já foi um ótimo Wolverine) embarcam no tom engraçadinho da trama e uniformiza o resultado: tudo é absolutamente ruim em Van Helsing.

A questão não é o respeito ao original em si. Mas a qualidade da deturpação. Nem os efeitos visuais, que visivelmente (entendeu? entendeu?) são o que conduz o filme, conseguem fazer o produto final valer. A virtualidade suprema virou justificativa para se criar efeitos cada vez mais perceptíveis onde não importa a trama, mas o efeito em si. Hoje, mais vale um lobisomem babão que pula pra todo lado que uma frase bem escritinha. O armamento de Van Helsing é tão ruim quanto a palhaçada que Sommers criou para explicar a “vida eterna” do personagem. O tom mezzo comédia encontrado pelo diretor tem sua melhor cristalização no Drácula de Richard Roxburgh e no Sancho Pança de David Wenham, mas nem eles conseguem algo além do mediano. O único consolo é que o filme sempre assume o que é. A cena final, com direito a final feliz nas nuvens, é mais patética já escrita nos últimos vinte anos. O mais legal é perceber que um filme deste porte ainda pode despertar um tipo de reflexão: se era pra fazer um estrago nessa proporção, não dava para se criar os próprios personagens em vez de destruir os dos outros?

VAN HELSING

Van Helsing – O Caçador de Monstros, Estados Unidos, 2004.

Direção e Roteiro: Stephen Sommers.

Elenco: Hugh Jackman, Kate Beckinsale, Richard Roxburgh, David Wenham, Shuler Hensley, Elena Anaya, Will Kemp, Kevin J. O’Connor, Alun Armstrong, Silvia Colloca, Josie Maran, Tom Fisher, Samuel West, Robbie Coltrane e Stephen Fisher.

Fotografia: Allen Daviau. Montagem: Bob Ducsay e Kelly Matsumoto. Direção de Arte: Allan Cameron. Música: Alan Silvestri. Figurinos: Gabriella Pescucci. Produção: Bob Ducsay e Stephen Sommers.

nas picapes: Needle in the Hay, Elliott Smith.

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