E quem diria que Thanos, o vilão intergalático, o deus vivo com poderes inimagináveis, o ápice em uma escala de proporções cada vez mais monumentais, moraria na filosofia, faria rimar amor e dor? O personagem principal de Vingadores: Guerra Infinita não aparece no título do filme. Não é nenhum dos heróis que a Marvel apresentou ao longo de uma filmografia que já dura dez anos. Quem o interpreta não está entre os atores ou atrizes da constelação que esse universo compartilhado estabeleceu durante a década que transformou o cinema de entretenimento para o bem e para o mal. Adotar o ponto de vista de um personagem desconhecido, de um vilão, de um gigante roxo, para contar esta história, relegando os Vingadores ao protagonismo de sequências específicas teria seus riscos. Seria preciso que a dimensão do personagem não enchesse apenas a tela.

Guerra InfinitaA Marvel investiu muito neste projeto. E não apenas nos salários milionários de um elenco jamais visto e nos efeitos visuais em quantidade talvez inédita, mas num roteiro que realmente fosse fiel às grandes sagas dos quadrinhos ao mesmo tempo em que construísse um vilão com motivações complexas e sentimentos contraditórios, dedicando a ele um texto cuidadoso que materializa suas reflexões e sua visão de mundo (ou de universo, no caso). Thanos protagoniza muitas cenas ao longo do filme. Muitas delas são confrontos com os heróis, mas nesta sequências nunca se deixa de dar espaço para que o titã filosofe sobre temas realmente grandiosos, como destino, ordem social e sacrifício. Seria fácil transformar um personagem onipotente numa máquina de destruição, num mero motor para cenas de ação, como os antagonistas dos filmes da DC, ou numa caricatura como o vilão de X-Men Apocalipse.

Thanos está a uma galáxia de distância destes personagens. Seus dramas, dúvidas e fragilidades estão muito expostos no filme. “Humanizar” esse monstro foi a decisão mais acertada do longa porque isto estabelece e equilibra todo o tom do longa. Guerra Infinita E Josh Brolin impressiona pela dedicação: abraçou o personagem como seriedade, entendeu que a ideia passava longe de uma brincadeira. Na prática, Vingadores: Guerra Infinita é a materialização dos sonhos de Zack Snyder. É como se um filme da DC tivesse dado certo porque mira nesta atmosfera séria, importante, e ao mesmo tempo tão frágil, mas tem um personagem central sólido que amarra estas pretensões. Os irmãos Russo não dirigiram um filme empostado, mas uma tragédia clássica de imensas proporções, que faz valer alguns conceitos bem básicos e até meio ultrapassados, como heroísmo, nobreza e simplesmente “fazer o bem”, de maneira que eles não pareçam simplesmente ridículos ou excessivamente ingênuos.

Guerra Infinita talvez seja o melhor filme possível com esse material. Até porque os Russo realizam outro feito notável: administrar tantos personagens, dar espaço para tantos astros. A estratégia de agrupá-los em núcleos menores, colocando juntos heróis que ainda não tinham interagido, possibilitou novas dinâmicas, experimentou possíveis novas químicas e garantiu que todos os personagens com alguma relevância fossem bem aproveitados. Por outro lado, a Marvel não abriu mão de sua marca, as piadas. São muitas, mas nunca parecem necessariamente um fim, mas alívios cômicos para tanta filosofia. É impressionante como os diretores mudam de tom, cena a cena, dependendo de quem estão acompanhando. Todas as aparições dos Guardiões da Galáxia mantêm o clima dos filmes do grupo, por exemplo.

Guerra InfinitaOutro ponto forte do filme é que as cenas de ação também não parecem gratuitas, são totalmente integradas à trama e amarradas a diálogos mais sérios já que o longa tem muita história para contar. Já os efeitos poderiam ser mais criativos. Não que sejam ruins, mas o longa do Doutor Estranho jogou às coisas para outro nível. Aqui, eles são funcionais e muito bem realizados, mas um tanto acomodados. Já o visual de Thanos, no entanto, é impecável. E o personagem não tem voz metálica, o que é um alívio. Alívio, por sinal, define bem o filme para os fãs de quadrinhos, especialmente das supersagas, esses eventos de reuniões de personagens por um motivo em comum, que tem códigos, lógica e mecânica muito específica porque administra grandes temas como os que este projeto tenta dar conta. É a primeira vez que se materializa esta instituição das HQs de super-heróis nos cinemas. A escala e a tradução disto para outra plataforma parecia impossível e é assombroso como o filme de Anthony e Joe Russo é fiel às proporções, aos conceitos de urgência e fatalidade e, principalmente, à ideia do grande épico trágico.

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Avengers: Infinity War, Anthony e Joe Russo, 2018

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