[melhor na vida real]


A história de Zuzu Angel é uma boa história: uma estilista brasileira famosa até fora do país que fez o diabo para ter de volta o corpo de seu filho, assassinato pela ditadura. É exatamente por ser uma boa história que sua versão para o cinema é decepcionante. Apesar de reviver alguns dos momentos de coragem extrema da mãe de Stuart Angel e de tentar recriar o ambiente de tortura em cenas que se pretendem fortes, o filme de Sérgio Rezende comete um pecado mortal diante de um material com este: não emociona o espectador.

O conjunto é especialmente confuso por ter tantas missões a cumprir: 1) ser filme político, de denúncia ou mesmo uma crônica social, dirigida a um público supostamente mais exigente; 2) assumir a forma de filme sério de entretenimento, se utilizando de elementos de linguagem típicos de uma (boa) novela das oito para atingir o espectador médio, mais afeito à história do que às intenções; e 3) tentar não deixar tão aparente esta preocupação ao se utilizar de uma estrutura a princípio menos óbvia com flashbacks quebrando a narrativa.

Rezende se atrapalhou um pouco na amarração de todos estes objetivos. O roteiro praticamente abandona personagens importantes, como as duas outras integrantes da família Angel, para dar densidade à relação mãe-filho, principal arma para conquistar o gosto popular. A tentativa resulta, entre outras coisas, em diálogos-clichê – alguns muito mal dirigidos – e numa cena metafísica particularmente desnecessária que serviu como bálsamo apaziguador de ânimos diante de uma história tão triste. É quase como um clímax feliz forçado.

Não há grandes interpretações, mas os únicos atores que têm espaço suficiente para uma avaliação – Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira – me parecem prejudicados pelas opções da direção, mais preocupada em causar impacto ou em ser fiel à história e ao imaginário socialista do que no trabalho dos intérpretes. A pequena participação de Luana Piovani como Elke Maravilha é um desperdício já que ela dá pistas de que faria algo, no mínimo, bastante divertido.

Há uma cena ou outra que funciona de verdade, como a com Nelson Dantas, se formos não muito exigentes. Rezende toma algumas liberdades históricas para amarrar a trama, mas nada que cause muito estrago. A trilha instrumental, de filme de suspense, briga com as boas canções escolhidas para o filme, como a belíssima “Angélica”, que Chico Buarque compôs para a amiga estilista na época do desaparecimento. A direção de arte é uma das melhores coisas, atrás apenas das recriações dos figurinos da própria Zuzu, o que prova que a personagem central, até nesse aspecto, é muito mais interessante do que o filme. O Linha Direta Justiça sobre o caso era muito melhor.

[zuzu angel ]
direção: Sérgio Rezende.
roteiro: Sérgio Rezende e Marcos Brenstein.
elenco: Patrícia Pillar, Daniel de Oliveira, Leandra Leal, Luana Piovani, Regiane Alves, Angela Vieira, Alexandre Borges, Flávio Bauraqui, Caio Junqueira, Othon Bastos, Elke Maravilha, Paulo Betti, Antônio Pitanga, Ângela Leal, Nélson Dantas, Fernanda de Freitas, Aramis Trindade,
Ivan Cândido .
fotografia: Pedro Farkas. montagem: Marcelo Moraes. música: Cristóvão Bastos. desenho de produção: Marcos Flaksman. figurinos: Kika Lopes. produção: Joaquim Vaz de Carvalho. site oficial:
zuzu angel. duração: 110 min. zuzu angel, brasil, 2006.

nas picapes: [this mess we’re in, pj harvey e thom yorke]

Comentários

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22 comentários sobre “[zuzu angel]”

  1. Eu ainda acho que o João quis dizer para eu ver Super-Escola de Heróis, desprezar seus comentários sobre Piratas do Caribe (que, segundo ele, ninguém teria visto) e, finalmente, para eu só falar mal de A Máquina depois de ter visto o próximo filme do João Falcão. Era isso?

  2. Um colega que foi para o lançamento do filme acabou de me contar a mesma coisa. Eu acho isso o cúmulo da irresponabilidade. Quando escrevi sobre liberdades, estava querendo falar sobre cenas como “Angélica” tocando na cena da morte, o que não fazia mal a ninguém.

  3. Chico, fiquei sabendo disso numa entrevista que eu fiz com o Sérgio Rezende. Ele disse que o personagem era de ficção. O que acontece é o seguinte: a mãe da Lúcia Murat, cineasta que participou de grupos contra a ditadura, falou que a Zuzu estaria compondo um dossiê com informações sobre Stuart e que o mandaria para organismos internacionais. Daí, o diretor partiu da suposição: “se os militares ainda estavam perseguindo a Zuzu depois de tanto tempo, ela devia saber alguma coisa”. E, por fim, criou o personagem do informante como uma forma de preencher essa lacuna. Foi isso que ele me disse.

  4. É um filme didático demais mesmo, Leo.

    Tiago, eu realmente achei que isso tinha um fundo de verdade. Se não tem, o filme vira outra coisa.

    Marcelo, não chega a ser um “Olga 2”. O Rezende pelo menos faz mais cinema e menos TV. Acho que foi o último filme do Dantas, sim.

  5. Cara, eu acho que uma liberdade que o diretor tomou provoca estrago sim. O personagem do informante militar, que dá a Zuzu a única prova do que ocorreu com Stuart, é completamente de ficção. Isso eu acho duvidoso. Fui ao cinema sem saber quase nada da história dela, saí achando que tinha aprendido alguma coisa e depois descobri que não – o diretor havia simplesmente amarrado algumas pontas da vida real que estavam soltas.

  6. Acho que o problema principal foi que, na ânsia por fazer um filme de apelo popular, o Rezende exagerou no didatismo e subestimou o espectador. Acabei de postar um texto sobre o filme lá no Enquadramento…

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