Além da Escuridão: Star Trek

Assumir os mantos de personagens consagrados ao longo de anos é uma desafio e tanto, mas Chris Pine e Zachary Quinto continuam audaciosamente indo onde nenhum ator jamais esteve. Suas reinterpretações para o capitão da Enterprise James T. Kirk e seu primeiro oficial, o Sr. Spock, além de serem uma homenagem às performances de William Shatner e Leonard Nimoy, fazem parte de um impressionante trabalho de reconstrução de uma mitologia arquitetado por JJ Abrams. Ao mesmo tempo em que o diretor faz uma releitura de características e acontecimentos clássicos da série de TV e dos primeiros filmes, ele introduz novos elementos e rearruma muitos outros, transformando cenas simples em monumentos referenciais à história de Jornada nas Estrelas.

A cena mais importante de Além da Escuridão: Star Trek vira pelo avesso uma das passagens fundamentais da mitologia da Enterprise, uma sequência que já tinha um enorme poder dramático, mas que Abrams eleva a outro nível, sendo, de um lado, extremamente fiel a texto, cenário e protagonistas, e, de outro, invertendo deliberadamente os papeis dos personagens na trama. O golpe de roteiro é tão certeiro que ganha um status de tributo: a cena funciona por si só, ou seja, é comprada até pelo espectador mais desavisado, mas provoca nos fãs da série um efeito emocional incomparável, algo como a aparição de Nimoy no primeiro filme.

Além da Escuridão segue dignamente o caminho trilhado por Star Trek quatro anos atrás, se equilibrando entre o respeito aos 50 anos de história dos personagens e a criação de um filme que ofereça ao espectador de 2013 uma aventura que preencha suas necessidades de cinema de entretenimento, algo que os filmes anteriores ao reboot nunca conseguiram fazer à exceção talvez de Jornada nas Estrelas: A Ira de Khan. John Harrison, interpretado por Benedict Cumberbatch, é o melhor antagonista da saga desde o vilão vivido por Ricardo Montalban. O ator trafega entre o sóbrio e o psicótico com facilidade, traduzindo o personagem numa assombrosa performance vocal e física. Abrams percebeu o potencial do personagem e o recompensou com espaço, sacrificando alguns outros, sobretudo o Dr. McCoy.

Em compensação, o capitão Kirk ganha um olhar mais realista, que ressalta o “lado negro” de sua impulsividade, tão celebrada como heroísmo nos trabalhos anteriores. Chris Pine surpreende, num desempenho maduro, mostrando a dificuldade do personagem de lidar com hierarquia e regras. Enquanto isso, Zachary Quinto também tenta libertar Spock de seu lado robótico, embora seja justamente uma atitude “robótica” que crie sua primeira crise com Kirk neste filme. A cena em que sua porção humana explode mostra um ator fantástico. O eterno RoboCop Peter Weller é uma das novidades no elenco e tenta dar credibilidade às intenções de seu personagem. Zoe Saldana e Simon Pegg ganham suas cenas de protagonismo, mas os outros atores parecem pouco mais que figurantes.

A maior ousadia do diretor talvez seja espalhar trevas onde só sempre se viu a luz, a Frota Estelar. Pela primeira vez, a integridade das motivações do alto comando é colocada em xeque e esses interesses movimentam a trama do filme, desencadeando o encontro da tripulação com seus arquiinimigos. Mas mesmo cutucando a criação “iluminista” de Gene Roddenberry, Abrams bate para assoprar logo em seguida. A reverência ao material original não polui o filme, concebido num 3D empolgante, com algumas das melhores sequências de ação do ano, que funcionam melhor ainda em salas 4D. O diretor parece ter levado a sério esse negócio de explorar a fronteira final. E parece que encontrou o caminho certo.

Além da Escuridão: Star Trek EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Star Trek Into Darkness, J.J. Abrams, 2013]

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