“Para mim, como pessoa física, seria muito mais fácil exibir filmes que já passaram no Rio e em outros festivais. Mais fácil e mais barato, mas acho que a função da Mostra é apresentar coisas novas”. Foi assim que Renata de Almeida, diretora do maior evento cinematográfico do país, defendeu a polêmica regra de ineditismo para os filmes estrangeiros que a Mostra de Cinema de São Paulo impôs nos últimos anos. E defendeu bem. Embora eu ainda ache lamentável que o espectador paulistano seja privado de ver, no cinema, alguns do filmes mais importantes do ano, como Boyhood, de Richard Linklater, ou os novos trabalhos de habitués da Mostra, como Tsai Ming-Liang, Pedro Costa e Ken Loach. Renata falou abertamente sobre as novas formas de se ver cinema hoje em dia, defendeu todas, inclusive os filmes feitos para a TV e os assistidos no celular.
A partir do dia 16 e até o dia 29 de outubro, a 38ª edição da Mostra exibe 331 filmes de diversos países do mundo, incluindo cinematografias pouco conhecidas como as de Angola, Bósnia e Herzegovina, Líbano e República Dominicana. Além de uma retrospectiva completa da obra do espanhol Pedro Almodóvar, que assina o cartaz desta edição e que não deve vir ao evento por causa de uma recente cirurgia nas costas, e de uma seleção de filmes dirigidos, produzidos e distribuídos pelo faz-tudo francês Marin Karmitz (entre eles, a Trilogia das Cores, de Krzysztof Kieslowski), o festival trará alguns dos títulos mais badalados de 2014, como os vencedores da Palma de Ouro em Cannes, Winter Sleep, do turco Nuri Bilge Ceylan, e do Leão de Ouro em Veneza, Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência, do sueco Roy Andersson.
Foxcatcher, de Bennett Miller, e Livre, de Jean-Marc Vallée, ambos cotados para o Oscar, são destaques entre os filmes novos. O primeiro tem chances de emplacar indicações para filme, direção, ator (Steve Carrell) e ator coadjuvante (Mark Ruffalo). O segundo pode ser finalista em atriz (Reese Whiterspoon) e atriz coadjuvante (Laura Dern). Entre as apresentações especiais, o primeiro curta do personagem Carlitos, Corrida de Automóveis para Meninos, estrelado por Charles Chaplin, que será exibido no Auditório do Ibirapuera junto com O Circo, longa que Chaplin dirigiu, escreveu, produziu e também estrelou. Os filmes do bissexto Victior Erice, como o clássico O Espírito da Colmeia, e mais três longas do japonês Noboru Nakamura integram esta vasta seleção. Abaixo, listo alguns filmes que parecem imperdíveis na listagem do evento neste ano.
Acima das Nuvens, Olivier Assayas (França)
Branco Sai, Preto Fica, Adirley Queirós (Brasil)
As Bruxas de Zugarramurdi, Álex de la Iglesia (Espanha)
Do que Vem Antes, Lav Diaz (Filipinas)
Dois Dias, Uma Noite, Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne
A Gangue, Myroslav Slaboshpytskiy (Ucrânia)
Filha, Afia Nathaniel (Paquistão)
Força Maior, Ruben Ostlund (Suécia)
Jauja, Lisandro Alonso (Argentina)
Jia Zhangke, um Homem de Fenyang, Walter Salles (Brasil)
Leviathan, Andrey Zvyagintsev (Rússia)
P’tit Quinquin,Bruno Dumont (França)
A Luneta do Tempo, Alceu Valença (Brasil)
As Maravilhas, Alice Rohrwacher (Itália)
As Noites Brancas do Carteiro, Andrei Konchalovsky (Rússia)
A Pequena Casa, Yôji Yamada (Japão)
Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência, Roy Andersson (Suécia)
Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade, Daniel Aragão (Brasil)
Relatos Selvagens, Damian Szifron (Argentina)
O Segredo das Águas, Naomi Kawase (Japão)
Sinfonia da Necrópole, Juliana Rojas (Brasil)
Winter Sleep, Nuri Bilge Ceylan
Adorei a matéria. Surpresa saber que Alceu Valença e cineasta. Espero para assistir os filmes. Sempre por ultimo em BH.
Cid Velloso
Poucas coisas são mais cretinas que a rixa SPxRio, e esta regra do “ineditismo” (que, curioso, não vale para filmes brasileiros) é uma delas, e culpa integral dos paulistas. Se a regra fosse exibir filmes inéditos em qualquer evento (como os grandes internacionais assim exigem, exceção de Toronto), seria o de uma audácia corajosa. Mas convenhamos não funcionaria pois, por mais achem que o Brasil melhorou em termos de importância internacional, não é nada provável que alguém queira deixar de ir para Cannes, Locarno, Berlim, Veneza, Roterdã, etc, para ir para São Paulo – ou para o Rio, se a regra fosse de lá.
Como está é apenas uma birrinha ridícula, imbecil que só adia a exibição em SP de alguns filmes com garantia de exibição (como o “Boyhood”) ou obriga os cinéfilos a ter que recorrer tempos depois ao Cine Torrent (como no caso de “Cavalo Dinheiro”, do Pedro da Costa, que óbvio, não vai ser adquirido por nenhuma distribuidora alternativa). As duas coisas já são desagradáveis, mas existe uma pior, e ainda mais perniciosa à cinefilia: “some” todo um contingente de filmes menos badalados como os casos que citei, que nem chegarão ao circuito comercial de arte, nem irão parar na Internet – pois também ao contrário do que se pensa, nem todos os filmes do mundo, do passado e do presente, estão disponíveis para serem baixados ou vistos em VOD.
O cinéfilo paulistano/paulista não os verá, e o carioca/fluminense só se os de SP passarem um ano depois no Rio; falo daquele tipo de filme que é descoberto durante o evento, sem muita badalação prévia de crítica, jornalistas e prêmios, que passou em festivais menos notórios, e que alguém assiste numa sessão vazia enquanto a multidão enche a sala do lado para ver aquilo que já vem consagrado.
Festival do Rio e Mostra SP tinham é que unir forças, fazendo até parcerias de convidados, filmes e seções de filmes.