A Jovem Rainha
[The Girl King, Mika Kaurismaki, 2015]
O finlandês Mika Kaurismaki morou no Brasil durante muito tempo, conhece bem a língua portuguesa e reclamou da tradução da Mostra para um de seus novos filmes, A Jovem Rainha, em que biografa a polêmica e extravagante Kristina, da Suécia. No original, o longa se chama The Girl King, algo como O Rei Menina, que comporta bem melhor o espírito de sua protagonista revolucionária, já vivida por Greta Garbo no clássico Rainha Christina. Ela foi nomeada monarca aos seis anos, passou outros dois tendo que dar boa noite ao pai embalsamado por uma mãe louca, foi criada como um menino, se apaixonou por livros, filósofos, pensadores e por uma mulher. E ainda desafiou o luteranismo, religião oficial de seu país. Diante da história de uma mulher de tantas paixões febris, Kaurismaki parece também ter incorporado uma possível herança de sua passagem pelo Brasil, a dramaturgia televisiva que assistimos no filme. A Jovem Rainha é um novelão histórico, artificial, fake, que potencializa as conspirações de corredor, os relacionamentos proibidos e as reviravoltas com closes fechados, interpretações afetadas, flashbacks explicativos e outra seleção de truques para dar volume ao suspense. Malin Buska encarna a protagonista com muita propriedade, embarcando na ideia de Kaurismaki de transformar Kristina exatamente numa personagem. Nas cenas em que faz discursos para a corte, Buska declama suas falas quase que como um padre faz sua ladainha dominical. Combina perfeitamente com o que o filme pretende para sua rainha.
Mistress America
[Mistress America, Noah Baumbach, 2015]
Brooke Cardinas é uma típica personagem de Woody Allen só que às avessas. Simpática, verborrágica, cheia de planos, completamente indecisa. Brooke nunca fez faculdade, não tem o estofo de sua quase irmã, Tracy, cuja mãe vai se casar com o pai de Brooke e saiu da cidade pequena onde nasceu para morar em Nova York, onde por sinal, Brooke mora. Tracy faz faculdade e quer entrar num grupo de literatura, fechado, cheio de códigos secretos. Precisa de uma boa história, verdadeiramente original, para isso. E descobre quando conhece Brooke. Em seu segundo roteiro feito a quatro mãos, Noah Baumbach e Greta Gerwig, um casal na vida real, reproduz um pouco do espírito libertário e naive de Frances Ha, primeira parceria dos dois, mas sem o mesmo acabamento que aquele longa entrega. Se Frances também era uma personagem errática, mas que se mantinha fiel a sua essência ao longo de todo o filme, até porque o filme é ela, Brooke é apenas uma coadjuvante em Mistress America e Tracy, a verdadeira protagonista está sempre a sua sombra, mesmo que pareça o contrário. Essa relação desigual entre as duas ocupa um espaço grande demais na resolução do filme, que abre mão de muitas possibilidades em relação ao desenvolvimento das personagens, mas ainda consegue se sustentar como comédia indie inteligente, embalada por uma trilha deliciosamente triste e alegre, alegre e triste.
Rashomon
[Rashomon, Akira Kurosawa, 1950]
Rashomon foi feito há 65 anos e ainda impressiona pela complexidade com que Akira Kurosawa via o mundo. Nesse estudo sobre o intervalo entre a verdade e a mentira, o cineasta parece afirma que é ali exatamente que acontece a vida. O roteiro, que confundiu os atores que procuravam Kurosawa para entender o que ele queria com aquilo, alterna as versões de uma história sobre um mesmo fato. Uma história contada e debatida aos pés do portal Rashomon, em pleno Japão medieval, enquanto três homens aguardam o fim de um temporal. Ali, Kurosawa introduz uma montagem com base em flashbacks que se revezam oferecendo novos pontos de vista para o assassinato de um samurai. Ganhou o Festival de Veneza e abriu os olhos do mundo para um cinema japonês que se transformava. Da simples discussão sobre uma morte, Kurosawa abre um debate mais amplo, mais intenso, sobre alguns dos temas mais universais e complexos disponíveis no mercado: o poder do desejo, a honestidade e a própria natureza do ser humano.
Cordeiro ½
[Lamb, Yared Zeleke, 2015]
Em toda parte do mundo, existe um movimento de países que não tem uma cultura cinematográfica forte para tentar fazer filmes que possam encontrar espaço num circuito internacional, mesmo que seja um circuito de festivais. Cordeiro é a terceira indicação da Etiópia para o Oscar de filme estrangeiro e foi o primeiro filme do país a ser exibido no Festival de Cannes. Como cinema, o longa de Yared Zeleke, formado pela Universidade de Nova York, é todo corretinho: um elenco amador bem dirigido, fotografia cuidadosa e um roteiro eficiente, principalmente em se tratando de provocar identificação com o espectador. Mas o diretor aposta numa uma história convencional, a de um garoto deixado pelo pai com parentes para que ele não tenha o mesmo destino da mãe morta pela seca, que pelo apelo universal tem chances de dialogar com o espectador mundo afora. Zeleke ainda adiciona uma personagem adicional para a fórmula, a ovelha Chuni, o “melhor amigo” do pequeno Ephraïm, por quem ele vai lutar diante de todas as dificuldades. Um esforço louvável que resulta num filme bonitinho, redondinho, mas que sempre é mais do mesmo.
Beira-Mar ½
[Beira-Mar, Filipe Matzembacher & Marcio Reolon, 2015]
Da mesma maneira que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, é um filme que promete mais do que cumpre por fazer apostas muito seguras. Desde o começo, por menos que explique quem são aqueles dois jovens, os diretores parecem apostar que o espectador quer que eles fiquem juntos. A viagem da dupla até uma praia do Rio Grande do Sul para resolver um assunto ligado à herança de um deles é embalada por uma trilha melancólica, paisagens tristes, festas cheias de momentos de silêncio e muitos olhares. Essa embalagem tem uma construção delicada e até funciona, mas culmina no grande lugar comum do encontro entre dois amigos bêbados. O resultado é um filme bonito, que certamente vai criar uma empatia com o público jovem, mas que poderia ser bem mais ousado em vez de apenas seguir o plano inicial à risca.