Depois de sua decepcionante cessão a um cinema biográfico convencional em Um Método Perigoso, David Cronenberg, um dos cineastas mais substancialmente ousados dos últimos 30 anos, assina um filme como há muito tempo não fazia. Cosmópolis é cinema de vanguarda, disposto a experimentar e pouco preocupado em ser palatável. Ao longo dos anos, o diretor canadense apresentou uma evolução de linguagem evidente, passando dos filmes verborrágicos que inauguraram seu cinema para a materialização do terror numa série de clássicos escatológicos até chegar ao refinamento de estilo e de discurso que fez nos anos 2000.
Agora, Cronenberg reúne essa elaboração visual com uma reflexão que remete a seus primeiros trabalhos, uma pensata sobre o futuro do capitalismo numa espécie de panfleto político. Cosmópolis é uma ficção-científica sem efeitos especiais, uma especulação retrô-futurista, um manifesto universitário de denúncia da tirania feito por um homem de quase 70 anos. O filme todo, a certo modo, reflete este encontro de tempos. Robert Pattinson é um de seus protagonistas mais jovens e sua interpretação robótica parece evocar o estilo de performance que Cronenberg pedia aos atores de Stereo e Crimes do Futuro.
Durante boa parte de sua duração, o cenário principal do filme, o interior da limousine onde personagens entram e saem, parece trafegar por um imenso painel de chroma key em que o que acontece no entorno reforça e amplifica o discurso sobre a natureza do capitalismo, que para o diretor tem um fim em si mesmo, trabalha e se transforma para continuar existindo. Discurso por sinal que pode ser comprado ou rechaçado com a mesma facilidade porque Cronenberg se apóia em códigos fechados, fascinantes ou pedantes, para verbalizá-lo. O antinatural comanda o filme, como se fosse o protesto do cineasta para com seu objeto de denúncia.
“Onde está o homem dentro daquilo tudo?” parece ser a pergunta final. A resposta pode estar num exame apressado, num corte de cabelo ou no disparo de uma arma.
Cosmópolis ½
[Cosmopolis, David Cronenberg, 2012]