Durante um bom tempo, o nome de Steven Spielberg esteve ligado à direção de Memórias de uma Gueixa, projeto que o cineasta passou adiante para assumir apenas a função de produtor. Confesso que ainda não consegui visualizar qual seria o efeito de ter Spielberg como capitão deste navio, já que o material original é de uma incompetência assombrosa. Talvez nem o talento do diretor para contar bem uma história, subvertendo os clichês (ou melhor, se aproveitando deles em seu favor) pudesse driblar o milhar de lugares comuns, situações ocas e frases que metaforizam as coisas da vida a partir dos elementos da natureza.
Provavelmente ninguém teria tamanho talento. Porque o filme de Rob Marshall não tenta, nem num esboço, dar qualquer ponto de credulidade a essa história. Marshall, na verdade, não está nem aí para a história, o que ele queria – e faz como ninguém – é florear. Sim, Memórias de uma Gueixa é um filme-florzinha, cujo público-alvo é não a dona de casa, acostumada às complicadas trajetórias amorosas das novelas de TV, mas o público gay mediano, aquele que acredita que O Fantasma da Ópera, o espetáculo teatral, seja um belo exemplo de obra de arte e que achou Brokeback Mountain bonito, mas meio chatinho.
Tá, soou preconceituoso. E foi. Culpa minha que não sou muito fã de Andrew Lloyd Weber. Mas eu ainda acho que foi isso mesmo. Rob Marshall, coitado, ainda está em seu segundo filme. Deve ter sido muito cobrado porque o primeiro, Chicago, que, sim, é um belo musical, ganhou até o Oscar (bem, nada que seja mais suspeito nos dias de hoje). Mas, ao contrário de seu trabalho anterior, que fazia um elogio ao espetáculo, à Hollywood de outros tempos, Marshall resolveu abrir mão do sarcasmo e abraçar uma história de amor à moda antiga. O problema é que há uma grande diferença entre velho e nostálgico. O livro que inspirou o novo filme conta uma história velha e ruim.
O que coroa Memórias de uma Gueixa nem é esta incompetência de texto, mas sua adequação. O filme soa tão deslocado de qualquer coisa que parece ter sido feito por alienígenas. Não bastasse a confusão de idiomas e nacionalidades de atores, equipe e autores, poucas vezes se viu um filme que conta uma história oriental tão ocidentalizada como neste aqui. Nem aquele do Jerry Lewis. Nem aquele do Marlon Brando. O mais impressionante é que Marshall ignora esse choque e só o reforça a partir do ponto em que é mais competente: a construção visual de seus filmes.
Mas para a direção de arte e figurinos cuidadosos, há a histriônica fotografia de Dion Beebe, que fez tudo tão direitinho em Chicago e Colateral, mas que aqui, com sua impossibilidade de partir do preto para a cor, resolveu explodir a tela em flores e deixar a câmera perto da esquizofrenia, indo para todos os lugares possíveis. A trilha de John Williams tem belos momentos, mas no conjunto é um rio melodramático que assume o tom do filme. Do elenco, há de se ressaltar como Ken Watanabe dá a volta em sua personagem apática e como Gong Li consegue ser boa vilã mesmo com um texto ruim. A cena do fogo, em especial, é grotesca. Mas Rob Marshall, que ressucitou até o veterano Mako em seu megaelenco oriental-universal jamais reunido, todo doce do mundo é pouco. E a velha amiga, narração em off, aquela que ora serve muito bem, ora enterra um filme, ressurge com força total da boca de uma velhinha que ninguém vê. Deve estar faltando plástico no mercado.
Memórias de uma Gueixa
Memoirs of a Geisha, Estados Unidos, 2005.
Direção: Rob Marshall.
Roteiro: Robin Swincord, baseado em livro de Arthur Golden.
Elenco: Zhang Ziyi, Ken Watanabe, Michelle Yeoh, Youki Kudoh, Kaori Momoi, Tsai Chin, Cary-Hiroyuki Tagawa, Suzuka Ohgo, Gong Li, Zoe Weizenbaum, Thomas Ikeda, Togo Igawa, Mako, Samantha Futerman, Elizabeth Sung, Randall Duk Kim, Kôji Yakusho, Ted Levine, Paul Adelstein.
Fotografia: Dion Beebe. Montagem: Pietro Scalia. Desenho de Produção: John Myhre. Figurinos: Colleen Atwood. Música: John Williams. Produção: Lucy Fisher, Steven Spielberg e Douglas Wick. Site Oficial: Memórias de uma Gueixa. Duração: 145 min.
rodapé: vocês vá viram a versão de Brokeback Mountain com coelhinhos? Ah, na segunda, acredito que pela supresa do Oscar, este blogue registrou um número surpreendente de pageviews. Foram inacreditáveis 582! Até então, a média ficava entre 180 e 200 e o auge tinha sido 303.
nas picapes: The Sea, Ewan McGregor e Cameron Diaz.
Creio que o boom de entradas se deveu a citação feita pelo velho e bom Inagaki.
Entrei aqui por lá, e gostei dos comentários sobre o Crash.
Agora tô voltando. Já viu que virei freguês.
Filminho nojento esse da Gueixa, hein. Candidato forte a pior do ano.
Os coelhinhos são geniais. “I’m not queer”; “Me neither”; amasso.
Medo, muito medo desses filmes “bem fotografados”.
Era o Memorias.. mesmo que estava perguntando hehe
“Memórias de uma Gueixa”? Difícil…
“Brokeback Mountain” com coelhinhos? Dá, sim. São trinta segundos e bem legal…
Da pra ver esse sem bocejar?
eu odeio “Chicago” – não menos que “Menina de Ouro” – e não vejo a Gueixa nem que me paguem. Conclusão: acho que vou parar de ver Oscar, porque a última – e talvez única – vez que assistir a esse programa me deu algum prazer foi no longinquo ano em que “Silêncio dos Inocentes” foi o azarão e roubou tudo de “Bugsy”. Xi…
LeoN