Munique

Quando dirigiu Contatos Imediatos do Terceiro Grau, em 1977, Steven Spielberg definiu para o espectador o que esperar exatamente de um filme seu. São raros os cineastas que têm o dom da manipulação consentida, que conseguem atingir limites dramáticos tão perigosos quanto ele, que usualmente passa de raspão do sentimentalismo por causa da forma direta de se comunicar. Pelo menos, é isso o que eu acho de Spielberg. E eu acho também que ele errou algumas vezes. Mas, de uma maneira geral, Spielberg é um grande diretor.

As críticas a seu trabalho geralmente resvalam no quanto ele abusa dessa capacidade de manipulação em seus filmes. De certa maneira, quem se dispõe a assistir a um trabalho de Spielberg está preparado ou para ser abduzido pelos encantos de suas histórias, ou para refutar a maneira como ele as conta. Sim, porque na mesma medida em que o diretor é grande, o diretor é previsível.

Então, de tão previsível na construção de seus filmes (entendam: eu não acho isso necessariamente ruim), é bem entendível o porquê da recepção fria a Munique, novo filme sério do diretor, que vai de encontro a quase tudo o que Spielberg costuma fazer: o longa é de uma economia dramática impressionante. Razões existem. Acompanhar um grupo de homens cuja missão é assassinar pessoas – por mais que elas sejam terroristas – e fazer com que o espectador se apaixone por eles, tática comum na hora de cativar o público, soaria esquizofrênico num filme clássico de Spielberg. Por isso, a solução foi o distanciamento. Um tom quase documental.

A própria natureza da história a ser contada mendigava este formato, então há uma excelente composição das cenas, que funcionam tanto enquanto tradução dos fatos (não vou entrar no mérito de como os eventos se desenrolaram realmente) quanto na forma de narrativa dramática. Munique lembra muito os filmes sobre espionagem e terrorismo feitos nos anos 70. O tom nostálgico surge na fotografia de Janusz Kaminski, que faz mais um trabalho exemplar nos enquadramentos, movimentos de câmera e na iluminação propositadamente escassa. A sepialização tão excessiva no cinema feito hoje em dia é usada com parcimônia.

Mesmo abraçando o documental, o diretor não se esquiva de uma das coisas que melhor sabe fazer: humanizar suas personagens. Todos os integrantes do grupo ganham atenção em maior ou menor grau. O Avner de Eric Bana, na condição de protagonista, é quem recebe um desenho mais amplo, um homem de família, cuja integridade não é abalada por aceitar a missão em nome de sua pátria. Bana, tão econômico quanto a encomenda, está particularmente bem em cena. Sua performance profissional – e seus questionamentos sobre o ofício – contrastam com os pequenos momentos de explosão pessoal. O bálsamo de ouvir a sonoplastia da filha pelo telefone.

Há um aproveitamenro discreto, mas eficiente de personagens periféricos, como a família mafiosa francesa, a mãe e a esposa de Avner e a primeira-ministra Golda Meir, que mesmo sem um texto particularmente notável, ganha uma performance notável de Lynn Cohen. Acho injustas e mal colocadas as acusações de “defesa” da causa judaica porque a análise sobre os eventos não me parece assumir partidos. Não se trata de imparcialidade, mas de foco. Há, inclusive, uma bela cena entre um judeu e um árabe numa discussão sobre terra, lar, casa. Para Spielberg, o que importa não é a política. Nem exatamante a ética. O que conta é a porrada nos ouvidos de quem aperta o botão.

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[Munich, Steven Spielberg, 2005]

Comentários

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30 comentários sobre “Munique”

  1. honey, amei munique. amei o modo como ele começa cheio de certezas e vai te deixando cada vez mais com dúvidas. mas depois eu vou falar dele melhor no meu blog.

    beijossssss

  2. acho que estão substimando Spielberg, tá certo qu eo cara fez o último filme “bacana” com “Prenda-me se For Capaz”. Munique é capaz de arrebatar bastante indicações ao Oscar. A recepção fria que ele teve é o pé atras com que a crítica tem tratado Steven.

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