Vingança nos bastidores

Tem gente que não sabe o que tem nas mãos. O trailer, a divulgação, tudo relacionado a Adorável Júlia, filme do irregular István Szabó, indicava que este era mais um daqueles “filmes de atriz”, veículos para uma atriz conhecida mostrar que tem talento sem dar espaço para texto, coadjuvantes ou cuidado técnico. Mas os primeiros minutos de projeção revelam exatamente o contrário: é uma das melhores surpresas do ano, presente pequeno a ser descoberto. Baseado numa peça do mesmo autor de O Fio da Navalha, tem um texto afiado, deliciosamente cruel. A amoralidade do filme é um mérito raro. Adorável Júlia não tem vergonha de ter personagens mentirosos, enganadores, egoístas, que, por isso mesmo, ganham uma credibilidade pouco convencional.

O roteiro, apesar de ter vários elementos clássicos, tem intervenções que brincam com a própria linguagem a ponto de se confundir emoções reais da protagonista com suas performances. No entanto, apesar de ter coadjuvantes consistentes e apuro visual, o filme realmente tem uma rainha. A performance de Annette Bening, apoiada numa pequena história de vingança nos bastidores do teatro, talvez seja a melhor de sua carreira. Aqui e ali, ecoa algo de A Malvada (Joseph L. Mankiewicz, 1950), o que é muito bem vindo, mas que não dá o tom á história, como se escreveu por aí. A interpretação de Annette apenas ratifica a injustiça que o Oscar deste ano cometeu ao premiar Hillary Swank, que estava muito boa em Menina de Ouro (Clint Eastwood, 2004), concordo, mas que não chega aos pés do que esta atriz enorme fez neste filme.

ADORÁVEL JÚLIA
Being Julia, Canadá/Estados Unidos/Hungria/Grã-Bretanha, 2004.
Direção: István Szabó.
Roteiro: Ronald Harwood, baseado na peça Theatre, de W. Somerset Maugham.
Elenco: Annette Bening, Jeremy Irons, Michael Gambon, Shaun Evans, Juliet Stevenson, Bruce Greenwood, Miriam Margolyes, Leigh Lawson, Tom Sturridge, Lucy Punch, Rosemary Harris, Rita Tushingham, Maury Chaykin, Tom Sturridge.
Fotografia: Lajos Koltai. Direção de Arte: Luciana Arrighi. Música: Mychael Danna. Montagem: Susan Shipton. Figurinos: John Bloomfield. Produção Robert Lantos. Site Oficial: Adorável Júlia.

nas picapes: Dead Melodies, Beck.

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