Reencarnação é um filme estranho. Estranho porque não faz força alguma para explicar seu próprio mistério e porque se dedica a trabalhar com suas repercussões. A escolha desta linha revela uma narrativa bem mais interessante do que a que era insinuada. A atmosfera é muito mais de investigação psicológica de que de thriller sobrenatural. E para isso, o filme aposta numa construção visual blasé pouco comum a um filme com um tema assim. A fotografia (Harris Savides, calculado e elegante) investe em takes demorados, câmeras estáticas ou travellings imensos. Cada quadro é tratado com imensa delicadeza. Tudo meio artificial, sim. Tudo muito interessante por ser artificial.
A composição do filme reflete certas características da protagonista, encarnada com distanciamento por Nicole Kidman: fria, neutralizada, quase fake. Por isto mesmo, o filme de Jonathan Glazer é muito coerente. Glazer não nega sua verve de esteta. Muitos de seus videoclipes – entre eles o ótimo Karma Police, do Radiohead – subvertem a chamada linguagem MTV. Esta estética comum aos clipes do diretor está pintada em toda a tela de Reencarnação, o que dá mais um ponto para o filme. A cena inicial de Anne Heche é dirigida com rara eficiência e belo final em frente ao mar remete às cores (ou à falta delas) de Interiores (Woody Allen, 1978), outro filme em que ninguém sabe lidar com os problemas de ninguém.
A construção européia do filme muito se deve ao roteiro ser assinado pelo grande Jean-Claude Carrière, que revela no meio de uma trama de aparente suspense, uma personagem imensamente romântica que não conseguiu superar a ausência do amor mesmo dez anos depois. O elenco está muito bem, todos muitos discretos, como exige o texto. A condução da interpretação de Cameron Bright, que revela potencial, é que parece inadequada, forçada, exibicionista. Era também a personagem mais complicada de cristalizar. Na ânsia de dar volume a sua performance, o diretor realmente passou do ponto. Mas isso não faz de Reencarnação uma bela surpresa, um filme no mínimo interessante.
Reencarnação
[Birth, Jonathan Glazer, 2004]