Carandiru

Rodrigo Santoro entra em cena com braços musculosos e peitos enormes. A platéia não sabe o que fazer e ri descontroladamente. Em Carandiru, como na vida, o brasileiro ainda não entende a diferença. Se antigamente, repelir o estranho era o mais fácil e imediato, hoje – já que não há alternativa – ri-se do que é diferente. Rir é muito bom, mas o problema é que aqui não há do que rir. Ri-se de nervoso. Do quão inoportuno é perceber que não há como controlar o mundo.

Nem o mundo. Nem os homens. 7 mil e 500 deles se acumulam na penitenciária onde só cabem 4 mil e 500. Histórias de pequenas raivas e de pequenas vidas, cheias de som e de fúria. Mais fúria que som, é bem verdade. Mas a cena mais forte de Carandiru não mostra violência ou agressão. Um jogo de futebol entre os detentos do Pavilhão 9 mostra que ali há pessoas e não só marginais. Pessoas que foram para naquele lugar por causa da realidade surreal do país em que vivem e que colocam a mão no peito e a voz no coração para entoar o hino da nação.

É curioso olhar para Carandiru e ver um filme grande e não um grande filme. Todos os elementos estão lá: seleção extraordinária de elenco, fotografia escura e metafórica, direção de arte perfeita, habilidade no manejo das cenas. Mas ao mesmo tempo falta tudo: nenhuma atuação que ultrapasse o competente, técnica eficiente mas raramente inventiva e uma certa acomodação estética e criativa. Babenco parece se contentar com o material realmente farto de que dispõe, mas esquece de dar unidade a tudo isso. O filme tem muito, mas parece muito pouco.

Babenco é um grande cineasta. Pixote (80) tem mais de vinte anos e continua um grande filme. O Beijo da Mulher Aranha (85) é outro exemplo. Ambos filmes vivos, filmes urgentes, que se fazem necessários. Mas Carandiru carece de ser assim (e olhe que é, sem dúvida, o melhor filme brasileiro deste ano até o momento). Não há urgência no filme. Não há real envolvimento do espectador. As histórias pessoais são apresentadas com competência, mas sem grande comoção, sem intenção de conquista, sem mergulho, o que faz de Carandiru honesto, correto e muito importante historicamente. E só.

Carandiru
Carandiru , Brasil, 2003
Direção: Hector Babenco.
Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Caio Blat, Milton Gonçalves, Antônio Grassi, Floriano Peixoto, Ricardo Blat, Maria Luísa Mendonça, Vanessa Gerbelli, Rita Cadillac, Nelson Machado, Sabotage, Aída Lerner, Aílton Graça, André Ceccato, Dionísio Neto, Enrique Diaz, Ivan de Almeida, Julia Ianina, Leona Cavalli, Milhem Cortaz, Robson Nunes, Sabrina Greve, Bukassa.
Roteiro: Hector Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas, baseados no livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella. Produção: Flávio R. Tambellini e Fábio Gullane. Fotografia: Walter Carvalho. Edição: Mauro Alice. Direção de Arte: Clóvis Bueno. Música: André Abujamra. Figurinos: Cristina Camargo.

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