Quando Larry Clark estreou como diretor com Kids, em 95, o mundo se chocou com o retrato de uma juventude perdida entre as drogas, o sexo e a falta de perspectivas. Leo Fitzpatrick, Justin Pierce sobretudo Chloë Sevigny criaram personagens que vão muito além dos estereótipos do inconseqüente, do maluquinho ou da menina pura. Os três jovens atores criaram pessoas. O roteiro do depois cineasta Harmony Korine desenha um painel de um universo adolescente caótico, com pouca possibilidade de salvação. Kids chamou atenção não apenas pelas cenas fortes, mas porque parecia extremamente próximo da realidade e próximo da nossa esquina.

Na Mostra de Cinema de São Paulo do ano passado, foi exibido Ken Park, último longa de Clark, co-dirigido por Ed Lachman. Mais uma vez, o cineasta invade o universo da juventude e sua nulidade de intenções. O filme acompanha quatro jovens da periferia de uma grande cidade e suas relações com o sexo. Ken Park incomodou muita gente porque realmente tinha cenas feitas com a intenção de chocar. Masturbação explícita entre elas. E também incomodou outras pessoas que perceberam uma limitação temática na obra do diretor. Apesar de circular o umbigo de seu filme de estréia, Larry Clark conseguiu contar algumas histórias interessantes. E só.

Agora estréia em circuito o filme anterior de Clark, Bully, realizado em 2001, que assegura ao espectador inteligente a farsa em torno do cineasta. Larry Clark somente sustenta sua obra pela idéia de que nossos jovens estão perdidos. E ponto. E para justificar sua teoria, ele toma para si uma história real de juventude transviada, mas consegue nos entregar um filme primário. Em Bully, um garoto recém-saído da adolescência não consegue se impor frente ao melhor amigo de infância, um pervertido sexual violento que o espanca com freqüência.

Sob a égide de história real, Clark patetiza as ações. Os desenhos dos personagens são precários e irreais e ignoram a compreensão dos adolescentes como pessoas reais. São apenas simulacros, preenchidos com as propostas do diretor para o que seriam eles e porque fariam aquilo tudo. A ânsia em mostrar a falta de noção de realidade dos garotos desdramatiza a narrativa, que fica incoerente e inverossímil, apesar de ser uma história verdadeira.

O personagem mais bem construído, o de Nick Stahl (que se confirma como excelente ator), também sofre com o roteiro. Nick passa da fúria para a doçura em dois tempos num papel difícil de fazer e fácil de cair na caricatura. O maluquinho de Michael Pitt é uma atração, embora resvale na caricatura algumas vezes, mas o rapaz tem um timing perfeito. Os outros ou estão corretos e estejam levados pela corrente do roteiro (Brad Renfro) ou não conseguem esconder a falta de talento (Rachel Miner, com caras e bocas de dar pena). Se a intenção de Bully é traçar um perfil da juventude perdida sobretudo norte-americana, é um fracasso total. Não porque a juventude seja muito diferente daquela, mas porque os estereótipos criados por Clark pra vender seu filme reforçam a visão fechada e preconceituosa que a própria humanidade tem de suas crianças.

Bully Estrelinha
[Bully , EUA, 2001]

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