A fotografia sempre sombria e a cenografia, esfuziante. O Expressionismo Alemão dos anos 20 foi um dos mais frutíferos momentos do cinema em toda a sua história. A tela foi palco para a pintura e para as experimentações com textura e com signos. A mostra de filmes da UFA que a Cinemateca Brasileira exibiu até domingo foi uma grande oportunidade de ver e rever clássicos do cinema expressionista. Em posts anteriores deste blog, há um texto sobre Dr. Mabuse, o Jogador (22) e a primeira parte de Os Nibelungos (23), ambos de Fritz Lang. Hoje, eu dedico esse post a outros dois filmes: um do mesmo Lang (a segunda parte de Os Nibelungos, 24) e o segundo do maior cineasta da história da Alemanha, Friedrich Wilhem Murnau, A Última Gargalhada (24).

Lang e Murnau são os grandes criadores desta época. Utilizaram a tecnologia disponível à época para criar. Diferentemente de Lubitsch, cineasta mercadológico, brincaram com as possibilidades do filme, usaram a imagem para a contar a história, ajudaram a criar a linguagem cinematográfica. Metrópolis, do primeiro, uma das maiores ficções-científicas da história, antecipa a Alemanha totalitária da década seguinte. Nosferatu, do segundo, cria o primeiro vampiro do cinema. E o mais assustador, envolto por um mistério encantador que invade as mentes de quem assiste ao filme ainda hoje. Em 1924, os dois cineastas lançaram dois grandes filmes.

Em Os Nibelungos – Parte 2: A Vingança de Kriemhild, Fritz Lang continua a narrar a lenda dos povos primeiros da Alemanha, inspirado pela tetralogia criada pelo compositor Richard Wagner, O Anel dos Nibelungos. A história é centrada na figura da rainha Kriemhild, que para se vingar do assassino de seu marido Siegfried casa-se com Átila, o rei dos Hunos. Diferentemente do primeiro filme, onde o espírito aventureiro de Siegfried dita o ritmo, esta segunda obra é mais dark, com intenções e imagens mais sombrias. À exceção da sufocante seqüência final (impressionantemente bem realizada), é quase todo rodado em locações internas, o que intensifica seu clima claustrofóbico.

O ambiente é o das conspirações, das intrigas palacianas, que Lang sabe transportar muito bem para o início da história da Alemanha. A fotografia, mais escura e mais bonita que a do primeiro filme, colabora para sequestrar o espectador para um universo sem esperanças. Kriemhild conduz os filme pelos porões invisíveis que passou a habitar depois da morte do marido. Seu desejo de vingança é cego. Nem olha para os próprios irmãos. Seu duelo à distância com o assassino é um confronto assustador e desesperado, justamente porque os duelistas nunca estão frente a frente. Lang vira um maestro do caos, conduzindo seu espectador por um universo de barbárie e de amor.

A Última Gargalhada traz Murnau para o cotidiano depois de sua incursão pelo mundo dos seres abissais em Nosferatu. E o cotidiano é duro, como em todos os seus filmes. Nosso protagonista é o herói do cortiço onde mora. Apesar de sua idade já avançada, é o porteiro do chique Hotel Atlantic, um dos mais luxuosos estabelecimentos da cidade. Sua volta diária para casa é motivo de festa (sorrisos das mulheres, cumprimentos dos homens, brincadeiras da crianças). Seu uniforme imponente, um traje real. Até que um dia, o gerente do hotel percebe que ele está cansado e velho, encomendando sua transferência para a limpeza do banheiro. Quando a família e os vizinhos descobrem seu fracasso, passam a ignorá-lo.

Nesse ponto, Murnau, que celebra a vida do porteiro com brincadeiras de câmera, jogos de luz e uma edição mais acelerada, muda o ritmo de seu filme, que entristece junto com o personagem. Fica escuro, sombrio; apenas os rostos dos atores são iluminados. Emil Jannings (de O Anjo Azul, 29) é de dar dó no papel central. Como Jack Nicholson, em As Confissões de Schmidt, ele perde sua pequena significância para o mundo (ou para seu pequeno mundo) quando perde o emprego. Deixa de existir ou existe à margem. A Última Gargalhada proclama o quão nulos todos somos fora de um determinado contexto. O golpe final do roteiro, no entanto, é catártico no sentido feliz da palavra. Um pouco ingênuo, talvez. Foge à atmosfera do filme e, por isso mesmo, soa um pouco estranho e apaziguador. Mas não diminui as qualidades de um cineasta perfeito.

Os Nibelungos – Parte 2: A Vingança de Kriemhild EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Die Nibelungen – 2 Teil 2: Kriemhilds Rache, Fritz Lang, 1924]

A Última Gargalhada EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Die Letzte Mann, Friedrich Wilhem Murnau, 1924]

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