Quanto maior o robô gigante, maior a queda. O exército de soldados metálicos de muitos metros de altura criado por Guillermo del Toro para seu mais ambicioso filme em Hollywood não conseguiu convencer os críticos, nem levar as pessoas para o cinema. Desde que foi anunciado, Círculo de Fogo já parecia uma promessa cumprida: um longa baseado nos tokusatsu – os filmes ou seriados japoneses estrelados por heróis mascarados que combatem monstros alienígenas – nas mãos de uma das grandes mentes criativas do cinema pop nos últimos anos. Talento, dinheiro, um tema que interessa gerações e, mais do que tudo, conhecimento de causa. Ingredientes que deveriam, mas não criaram um grande filme.
A realização de Círculo de Fogo é a materialização do sonho nerd. Deveria ser o filme de ação que os espectadores que cresceram acompanhando os episódios de Jaspion e do Esquadrão Relâmpago Changeman na extinta TV Manchete pediram de presente: um longa que levasse a sério suas infâncias, que defendesse seus heróis, por mais coloridos e toscos que eles fossem. Mas sem excessos: não dá para ser sisudo num filme sobre monstros gigantes que invadem a Terra através de um portal extradimensional. No entanto, a sensação é exatamente essa ao fim da sessão do novo trabalho de del Toro: o filme não abre espaço para respiros, é sério demais.
A escalação do elenco talvez tenha prejudicado os intentos do cineasta. Del Toro nitidamente direcionou suas forças para criar personagens densos, vítimas de grandes traumas, diretamente relacionados aos invasores, mas esqueceu de contratar atores que pudessem dar conta destes dramas e serem suficientemente atraentes para o público. Temos um cast relativamente grande, com pelo menos sete figuras chaves, mas nenhuma delas assume o papel de herói, figura essencial num filme como este. Charlie Hunnam, vindo da série Sons of Anarchy, e Rinko Kikuchi, redescoberta por Hollywood sete anos depois do intragável Babel, que deveriam ocupar essa lacuna, são atores apáticos, que não conseguem gerar o mínimo de identificação.
É é justamente a identificação que faz a plateia ter por quem torcer. E é justamente a torcida que gera empolgação. Círculo de Fogo precisava ter isso para funcionar. Não tem. Há referências para todos os lados, mas elas parecem se inserir nesse contexto de pouca sensibilidade em que o filme se coloca – e sua força se dilui radicalmente. A cena do “soco-foguete”, por exemplo, é rápida, sem muito destaque e fica prejudicada pelo cenário turvo que predomina no filme e que frustra quem queria ver belos efeitos visuais. As lutas tem momentos divertidos, mas no geral são tão metálicas quanto os robôs. E olha que o visual dos monstros, completamente despudorado, é de longe o que de melhor tem o filme.
Ninguém imaginava que veria Shakespeare, mas certamente é frustrante como o roteiro do filme centraliza a ação nos soldados dos Estados Unidos e venera o poder bélico americano, mesmo que em modo independente. Isso é coisa que você esperava dos filmes de Steven Spielberg (no bom sentido) e Michael Bay (no mau), mas nunca no longa de um mexicano tão internacional como Guillermo del Toro. A simplificação da participação de russos (“ultrapassados”) e chineses (“exibidos”) no filme chega a ser infantil: todo o destaque, inclusive os conflitos internos, se resolvem em “solo” americano. A mocinha japonesa, que tem um histórico ligado diretamente a América, e o cenário da batalha em Hong Kong é o máximo que o cineasta conseguiu para globalizar seu filme.
Del Toro rejeita a comparação com Transformers, mas essa referência pede para ser feita em muitas cenas de batalha. A sequência subaquática, que encerra o longa, é escura e incômoda. Parece camuflagem para falta de dinheiro, mas U$ 180 milhões não parece pouco, mesmo para um filme como Círculo de Fogo. O núcleo cômico, com Charlie Day reprisando cacoetes e Burn Gorman se apoiando na esquisitice, não acrescenta muito. A cena pós-créditos perde todo o impacto se você assistiu Sharknado. No fim das contas, del Toro, que tinha tudo para fazer um grande filme, fez apenas um filme grande, com 131 minutos, que deixa espaço para uma continuação. Há quem torça para que ela nunca saia do papel, mas, para quem brincou muito de Change Pégaso quando era moleque, a esperança é que, na próxima reencarnação, os robôs gigantes de del Toro cumpram sua missão.
O Roberto Sadovski gostou bastante do filme. Leia aqui.
Círculo de Fogo ½
[Pacific Rim, Guillermo del Toro, 2013]
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Só uma pergunta. Que passado a Mako tem com os EUA?? Ops… acho que o senhor crítico nem prestou atenção no filme…
E que poder bélico americano?? Não vi nada assim no filme… alguma explicação?
Fiquei com uma impressão muuuito próxima a sua, Chico. Os personagens não me cativaram, não me chamaram para o filme… Para contrariar o pessoal aí de cima que pede mais “flexibilidade” e menos “chatice”, vi Star Trek 2 pouco tempo depois, e gostei bem mais do filme, o que se deve em grande parte (penso eu) ao poder de seus personagens. Enfim, ótima análise!
Valeu, Igor.
Eu entendo tudo que você disse, mas eu não concordo em nada.
Fabio Olivieri, cara, Jaspion e Changeman foram clássicos de uma época em que criança realmente via coisas de crianças, não somos criticos de cinema e nem tão pouco produtores, apenas pessoas que um dia colavam na teve pra ver Tokusatsu. Saudades dessa época!
Nesse caso estou com o crítico pois pra se prestar uma homenagem é preciso repetir as mesmas bobagens dos originais? Assista Ultramem, Jaspion hoje em dia e verá que são tolices imensas que só fazem sentido em determinada época de nossas vidas. O filme está cheio de personagem idiotas assim como os originais…homenagear hoje significa estar no mesmo nivel intelectual de 25 anos atrás?