Capitão América: O Soldado Invernal

A essência do Capitão América é sua maior força e seu principal obstáculo. Criado como símbolo do patriotismo americano em plena Segunda Guerra Mundial, hoje o personagem vive uma dicotomia: ao mesmo tempo em que ainda representa o soldado nos campos de batalha, talvez o único lugar onde a inocência de sua concepção ainda caiba, sofre com a falta de espaço para uma figura com este perfil no mundo atual. Para funcionar no cinema, o herói precisava perder ser trazido para um patamar menos idealizado e dialogar com questões essencialmente contemporâneas, mas, o mais importante, sem perder os princípios que definem o personagem. Essa combinação difícil chega às telas em Capitão América: O Soldado Invernal.

Se o primeiro longa do heroi, caminhava por uma estrada mais inocente – como mandam os preceitos do herói, que estava sendo apresentado ali -, os irmãos Anthony & Joe Russo, diretores deste segundo filme que vêm de uma formação televisiva, transportam o personagem para o meio de uma guerra silenciosa, envolvendo uma trama de conspiração e pondo em cheque instituições de segurança americanas, algo que a TV tem feito melhor do que o cinema nos últimos tempos. O roteiro tanto trabalha a crise de confiança que molda nossa relação com nossos representantes quanto conversa com alguns grandes longas de espionagem do auge da Guerra Fria, criando um recheio menos óbvio para um filme de super-herói.

Recheio que fica mais encorpado com a adição de Robert Redford ao elenco. É impressionante que o papa do cinema independente americano tenha aceito um papel num blockbuster de super-heróis aos 77 anos, quando sua carreira parecia não precisar de nenhuma novidade. Cada cena em que Redford aparece na tela eleva o filme para outro plano de respeitabilidade. Essa tática da Marvel de rechear seus filmes de atores com assinatura é importante para diferenciá-los. Chris Evans retoma o papel principal dando conta do recado e Scarlet Johansson, menos sexy, mas mais à vontade, desmistifica a Viúva Negra. Sua presença e a introdução do Falcão de Anthony Mackie funcionam não apenas como apoio para o protagonista, mas servem para conectá-lo com os dias de hoje.

Mas não é somente isso. Aos Russo não falta bom humor para que o próprio herói ironize essa sua vinda de outros tempos, de outra época, de outra realidade. O próprio Capitão faz piada com sua origem e com tudo o que perdeu nos 70 anos em que ficou congelado. A lista de coisas a conferir que ganhou itens diferentes em cada país em que o filme foi lançado parece um simples alívio cômico, mas serve para mostrar que o personagem vive uma sensação incômoda de não-pertencimento. O homem é um estranho num mundo estranho, hostil, onde os princípios que o formaram não só saíram de moda como foram trocados pela desconfiança generalizada.

Ao Capitão cabe encontrar seu lugar nesse mundo novo. Aos irmãos Russo coube achar uma trama realista, contemporânea, mas que não compromete a fantasia do universo do herói, e um texto inteligente, pop, mas cheio de entrelinhas, que desafia o espectador que não viu os outros longa da Marvel e que desafia também o próprio herói a entrar em choque com o que está lá fora.

Capitão América: O Soldado Invernal EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Capitain America: The Winter Soldier, Anthony & Joe Russo, 2014]

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