A primeira imagem do filme engana o espectador. Os vestidos compridos e suspensórios indicam que estamos frente a um filme de época, passado nos confins da América, mas a impressão desaparece depois de algumas pistas. Um gravador utilizado para registrar confissões e uma fita cassete azul que guarda a música que move os passos da protagonista mostra que o tempo é o hoje e que aquela realidade é quase uma farsa.
Electrick Children é um dos filmes mais peculiares que surgiram nos últimos tempos no cinema americano. O longa de estreia de Rebecca Thomas trabalha com dois universos completamente díspares: o mundo fechado das comunidades religiosas do interior dos EUA e a legião de jovens alternativos que circulam nas grandes cidades do país, regados a drogas e rock’n’roll.
Essas duas culturas, cheias de signos e padrões específicos de comportamento, são colocadas em confronto quando uma adolescente de 15 anos, pertencente à família que se veste como se estivesse no Velho Oeste, aparece grávida. Rachel acredita que o bebê que carrega na barriga é fruto da canção que ouviu (escute aqui) e resolve partir em busca do dono da voz que a teria inseminado.
O “choque cultural” entre a personagem e o mundo que ela descobre incomoda. A ingenuidade da protagonista diante de várias situações parece artificial, artimanha para tornar Rachel mais “pura” e impulsionar seu estranhamento diante do novo mundo. Mas o fake, que aparece em muitas dobras da trama, inclusive na que leva a personagem de encontro a sua origem, mais do que truque, é modelo de linguagem para a diretora.
Ao contrário de muitos exemplares do cinema independente americano que apostam numa ultrarrealidade, Rebecca Thomas parece situar a história de seu filme num campo de delírio. O único plano onde seria possível entender os devaneios religiosos que aprisionam famílias em pleno século 21 e em que o entendimento de mundo de uma geração em busca de significados parece finalmente materializado.
A Fita Azul
[Electrick Children, Rebecca Thomas, 2012]