Um vazio no coração

Há alguma coisa que me faz ter um certo carinho a respeito deste filme, apesar de eu achar que não haja um trabalho necessariamente bom aqui. Primeiro, uma coisa que me incomodou bastante foi o fato de que o filme parece acreditar que o sentimento, com todo o peso que a palavra possa ter, só é possível num ambiente de sucesso e de estabilidade financeira. Numa situação contrária, essa possibilidade surge como algo de pouca credibilidade, uma rua sem saída.

O texto de Steve Martin às vezes me pareceu meio vazio, mas o distanciamento que narração em off trouxe para a história de certa forma reflete a vida na grande cidade, a solidão da metrópole, que alimenta frustrações e pode dar corda para a depressão. No entanto, Martin, embora não me convença plenamente com seu discurso, tem dois grandes méritos: primeiro, está bem distante daquele universo melancólico padrão dos filmes indies, desde Encontros e Desencontros a Hora de Voltar, independentemente de seu sucesso ou não. Martin busca uma solidão mais madura, mais seca, mais, talvez, possível.

Acho que há sub-aproveitamento da personagem de Jason Schwartzmann do mesmo jeito que a cena de sedução de Bridget Wilson-Sampras me soou despropositada, sem função. A história da personagem de Claire Danes, a vendedora de boutique, a artista plástica sazonal, a moça que busca um grande amor, mas quer um grande amor perfeito, é uma história plausível. Não há o menor ranço de querer parecer inteligente e cheio de referências, como no filme de Zach Braff. Pelo contrário, o filme até atinge certo grau de simplicidade, de conformismo com sua limitação temática. Isso não chega a ser um demérito porque ele se resolve em sua pequenez. Martin talvez não funcione como Sofia Coppola ou Zach Braff ou Mike Mills porque simplesmente seja um cara mais velho, tenha uma outra visão sobre as coisas e, mesmo sem ter o talento para escrever de Sofia, pareça ser sincero o tempo inteiro.

A Garota da Vitrine
Shopgirl, Estados Unidos, 2005.
Direção: Anand Tucker.
Roteiro: Steve Martin, baseado na sua novela.
Elenco: Claire Danes, Steve Martin, Jason Schwartzmann, Bridgette Wilson, Sam Bottoms, Frances Conroy, Rebecca Pidgeon, Samantha Shelton, Gina Doctor, Clyde Kusatsu, Joshua Snyder.
Fotografia: Peter Suschitzky. Montagem: David Gamble. Desenho de Produção: William Arnold. Figurinos: Nancy Steiner. Música: Barrington Pheloung. Produção: Ashok Amritraj, Jon J. Jashni e Steve Martin. Site Oficial: A Garota da Vitrine. Duração: 104 min.

e mais:

Uma Garota Encantada (2005), de Tommy O’Harver.

Apesar de ser bem gostosinho de assistir, não consegui ver sombra do grande filme que alguns colegas deixaram na minha imaginação. No geral, é um filme bastante ingênuo, o que às vezes se reflete num agradável tom de encantamento, e em outras termina com soluções bastante fáceis, como a auto-coroação de Cary Elwes. Anne Hathaway é uma belezinha, está bem à vontade no papel (é impressionante ver como ela consegue interpretar personagens com idades bem diferentes, caso de Brokeback Mountain), mas a subversão dos contos de fada não chega aos pés de Shrek, como quer o DVD nacional, embora a fada bêbada garanta uma cena deliciosa. No fim, acho meio impossível não encontrar algum encanto no filme, mas o barulho foi excessivo.

Uma Noite Alucinante II (1987), de Sam Raimi.

Este filme é, ao mesmo tempo, uma espécie de remake com mais dinheiro e de continuação de A Morte do Demônio, longa de estréia de Sam Raimi, que ganhou um micro-comentário recente por aqui. Confesso que gostei muito mais dos dois filmes quando eu os vi pela primeira vez, ainda adolescente. Hoje, eles me pareceram… isso mesmo, muito adolescentes. O primeiro tem mais mérito justamente pelo fato de ser o que apresenta as idéias do diretor, além ser um filme que se leva mais a sério. Este segundo, apesar de mais bem acabado, inclusive no roteiro, mais bem amarrado, não tem o frescor do original, e abusa do humor e porcalhada. Raimi continua inventivo com a imagem, mas muito menos do que no primeiro filme. Há várias cenas que parecem apenas refilmadas.

nas picapes: Tiny Dancer, Elton John.

Comentários

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4 comentários sobre “A Garota da Vitrine”

  1. Ah, não!!!! Dar duas estrelas para o primeiro foi bola fora, mas para o Evil Dead 2 não dá!!!

    Falando sério, acho um puta filme, divertido e inteligentíssimo visualmente (o fato de ser “adolescente” é irrelevante e eu diria que até relativo, mas estou sem tempo para explicar).

    Crime Wave é também um ótimo filme.

  2. O mérito dos Evil Deads (o terceiro é realmente o mais fraco e bobo) é justamente este – serem filmes aporcalhados, toscamente bem-humorados e adolescentes até a medula – e tudo pirotecnicamente bem-dirigido. Mas sou suspeito, pois sou fã-zão destas tosqueiras. E até mesmo (e muito) daquela comédia assumidamente comédia do Raimi chamada Crime Wave.

  3. Eu me diverti imensamente com o do Raimi, bem mais do que o primeiro (que é muito bom). Precisava rever… O terceiro acho ainda mais bobinho, divertido mas já bastante diluído.

    Sem nada a ver com o assunto do post: estou ouvindo o novo dos Strokes, é impressionante como é melhor do que o anterior. Chega até a entusiasmar em alguns momentos.

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