Elena Anaya, Marisa Paredes, Antonio Banderas

A verdade é que, com Fale com Ela, Pedro Almodóvar e seus espectadores chegaram a uma zona de conforto, um ponto em que o as referências e experiências visuais do diretor amadureceram e puderam ser assimiladas por um público cada vez maior e menos disposto à ousadia presente na maior parte de sua obra. Almodóvar parecia mais sério e tudo o que ele havia feito antes de A Flor do Meu Segredo passou a ser visto com uma espécie de Almodóvar mais cru, mais infantil, imaturo mesmo.

Estando bom para ambas as partes, o acordo passou a ser: cineasta ousa menos e público gosta mais. Má Educação,Volver e Abraços Partidos, os filmes que seguiram essa linha do Almodóvar domado, embora tenham lá suas qualidades, são todos café-com-leite perto da trilogia do Almodóvar perto da perfeição, que inclui ainda Carne Trêmula e Tudo Sobre Minha Mãe. Nenhum desses novos filmes chega ao nível de estilização dos anteriores, além de economizarem na ousadia.

E Almodóvar sem ousadia, convenhamos, é como sexo sem orgasmo. Por isso, é com enorme prazer que eu digo que o cineasta recuperou a velha forma com A Pele que Habito, seu melhor filme desde 2002. Embora visualmente bem comportado, o longa nos remete ao frescor dos filmes mais legítimos do diretor, lançando um olhar novo para um dos temas que Almodóvar mais debateu em seu cinema ao longo dos anos, os limites entre masculino e feminino.

O filme começa remetendo ao cinema de horror europeu dos anos 60, com destaque para Georges Franju e seu Os Olhos sem Rosto. Mas a boa notícia mesmo é que Almodóvar perdeu o medo do ridículo e prova isso logo nos primeiros minutos do filme, com o personagem do Tigre, que recupera o escracho que o diretor tinha perdido há tempos. Uma trama do espanhol não era tão rocambolesca desde os anos 90 e Almodóvar leva a história a sério, assumindo seus excessos das cenas iniciais ao arremate.

O curioso é que a ruptura narrativa do filme, quando a história pára para dar lugar ao imenso flashback, parece, a princípio, um caminho desnecessário, mas aos poucos revela sua finalidade. A maneira como o roteiro constrói o personagem central é um trabalho de um refinamento impressionante, embora, numa visão mais rasa, por sua própria natureza, possa parecer exatamente o contrário. Há tempos que o cinema não acompanhava as transformações de um personagem tão intima e despudoradamente.

Entendo que os excessos, que apareciam diluídos em seus últimos filmes, geram desconforto para quem estava acostumado a um Almodóvar mais comportado, mas para mim a sensação foi exatamente a oposta. Pela primeira vez em muitos, muitos anos, eu saí do cinema dizendo que vi um Almodóvar genuíno, um filme de um cineasta que sabe administrar com muita consistência e um imenso prazer as tramas mais absurdas que a mente humana tem o acinte de criar.

A Pele que Habito EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[La Piel que Habito, Pedro Almodóvar, 2011]

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *