A história de um filme sem pai
A segunda, e mais grave, é o preconceito do diretor para com o filme que, mesmo com a tão divulgada falta de acesso ao corte final, ele mesmo dirigiu. Essa tática de não dar muita atenção ao lançamento do longa, de espalhar aos quatro cantos que foi obrigado a fazer mudanças depois de exibições-testes, de querer subtrair o terror da campanha de divulgação enfocando o drama psicológico (mesmo que ele, o terror, não seja mesmo foco, ele existe no cerne na história e não pode ser ignorado); tudo isso parece bastante covarde da parte de Walter Salles mesmo que seja verdade. Ficar se justificando ou se negando a justificar contou mais pontos contra o filme do que a falta de controle que o diretor teve.
Água Negra é um filme de terror, construído nos mesmos moldes das histórias em voga nos últimos anos: uma questão familiar inacabada, mal resolvida, e um elemento sobrenatural. Tudo isso está na tela. O ponto de partida, bem limitado e cada vez mais recorrente e menos criativo, no entanto, ganha um diferencial, que é justamente o que muita gente não bota fé: há mão de Salles ali, um diretor que o tempo inteiro tenta não entregar uma visão reducionista da questão principal, que paralelamente ao conto de horror que narra constrói uma personagem complexa, nunca gratuita, mergulhada no caos emocional. A Dahlia de Jennifer Connelly, que acredita bastante no seu papel, é uma mulher frágil que tenta ser uma mulher forte.
O que faz de Dahlia grande é justamente o quanto ela tenta matar suas limitações para cuidar de sua filha. Acho grotesco querer minimizar a tragédia da personagem classificando de “frescura” sua fragilidade. A imensa disponibilidade para ser mãe que existe nessa história é muito mais interessante de que qualquer tentativa de fazer susto. Há muito poucas cenas realmente assustadoras, o que frustou bastante o público. O horror ganha contornos bem mais indefinidos. Água Negra era para ser um filme de família. Por isso, é extremamente triste que este filme de família tenha sido abandonado pelo próprio pai. Se Salles defendesse sua cria tanto quanto a personagem de Jennifer Connelly, mesmo sem saber muito bem o que fazer e que direção tomar, se dedica a sua filha, Água Negra sairia muito mais fortalecido.
ÁGUA NEGRA
Dark Water, Estados Unidos, 2005.
Direção: Walter Salles.
Roteiro: Rafael Yglesias, baseado no livro de Kôji Suzuki e no roteiro de autoria de Hideo Nakata e Takashige Ichise.
Elenco: Jennifer Connelly, Ariel Gade, John C. Reilly, Tim Roth, Dougray Scott, Pete Postlethwaite, Perla Haney-Jardine, Matthew Lemche, Elina Löwensohn, Camryn Manheim, Debra Monk.
Fotografia: Affonso Beato. Montagem: Daniel Rezende. Direção de Arte: Thérèse DePrez. Música: Angelo Badalamenti. Figurinos: Michael Wilkinson. Produção: Doug Davison, Roy Lee e Bill Mechanic. Site Oficial: Água Negra. Duração: 105 min.
nas picapes: Passive Manipulation, The White Stripes.
Não lembrei de Abril Despedaçado em momento algum. Acho que o filme guarda algumas características recorrentes do cinema do Salles, de que eu nem sempre gosto, mas está longe de ser a nulidade de Abril.
Provavelmente irei assistir neste final de semana. Confesso que gostei da versão japonesa, mas não estou com muita fé nessa produção americana;
vi ontem e pra falar a verdade não gostei mesmo… hoje o filme até me parece “menos pior”, mas enfim… o mais engraçado é uma cena na cozinha do apartamento, em que a mãe gira com a filha no colo… putz, por cerca de 5 ou 10 segundos parecia que eu estava assistindo a abril despedaçado. fora isso, eu não gosto dessa coisa de 50% dos filmes de terror/suspense de sempre se apoiarem na infância pra desenvolver formas de medo e/ou traumas.
Devo ir ver amanhã. Mas gostei do teu texto. Gosto quando aparece alguém pra falar bem de um filme que todo mundo esnoba, até o diretor. Principalmente quando eu ainda não vi. Hehhe
… o que já tá quase como surpresa pra mim.