Amantes Eternos

“A beleza não tem causa. É. Quando a perseguimos apaga-se. Quando paramos – permanece”. O pensamento é da poetisa norte-americana Emily Dickinson e pode ser aplicado a boa parte da produção artística dos dias atuais. A busca pela plástica não raramente abate o conteúdo e mesmo o objetivo estético fica comprometido pelo excesso de filtros e pelas ideias vazias que se resolvem em si mesmas. Esta pequena elocubração serve para apresentar o texto sobre o novo filme de Jim Jarmusch, um diretor cuja obra sempre teve uma marca bastante distinta, tanto em seus aspectos visuais quanto em temáticas e visões de mundo. Em maior ou menor grau, o cineasta encontrou a beleza com alguma sorte e bastante sensibilidade.

Amantes Eternos, embora trate novamente de um microcosmo, tem maiores pretensões do que outros longas de Jarmusch porque evoca uma maldição milenar, lida com conceitos etéreos e místicos como herança e destino e tem representações externas. Tom Hiddleston e Tilda Swinton, dois dos atores mais delicados e versáteis dos últimos anos, vivem Adam e Eva, um casal de criaturas imortais que há séculos deixou de lado uma sina sanguinária para procurar novas formas de permanecer vivos. Mas a reflexão que o filme lança vai muito além dos meios que uma espécie encontra para garantir sua longevidade. O tempo não é apenas fio condutor da história, mas o elemento definidor dos preceitos e das decisões dos personagens. Adam e Eva não são reféns do tempo. Há muito fizeram as pazes com ele e nele encontraram sabedoria que os mantém.

No filme de Jarmusch não há guerras pelo poder nem conflitos entre raças. Não há lados, mas posturas. O cineasta utiliza sua alegoria, que recicla figuras clássicas da literatura de fantasia, para refletir sobre o próprio fluxo da vida. Martin, de George A. Romero, pode ter sido uma influência para o diretor. Aqui há a mesma consciência do vampirismo como uma doença contemporânea. Os protagonistas buscam nos porões desse mundo atual soluções para suas deficiências. Assumem suas condições de marginais, vivem à margem. Fatigados pela própria história, preferem o conforto do anonimato, vivem um presente eterno até que o presente acabe, sugam da vida o que não sugam dos outros. Encontraram equilíbrio e alguma dignidade, coisas que nem sempre são fáceis de se administrar.

Esse caminho inusitado empresta a Amante Eternos uma singeleza bastante particular, que Jarmusch tenta cultivar em imagens delicadas, uma trilha blasé e cenários que se não são artificiais traduzem uma vida artificial, a vida que foi possível. A mistura parece intangível, mas convida a um reflexão existencialista sobre o propósito de continuar vivo. Há uma certa beleza em perceber certas sutilizas, em entender o sacrifício e a privação pelos quais aqueles personagens e em constatar que a veradeira maldição milenar dos vampiros de Jarmusch é a própria vida.

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[Only Lovers Left Alive, Jim Jarmusch, 2013]

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