A encenação sempre esteve no centro do cinema de Alain Resnais e se tornou uma obsessão em seus últimos filmes. Amar, Beber e Cantar, a despedida do cineasta, que morreu em março deste ano, parece um réquiem coerente com a carreira de um diretor que reinventou o cinema algumas vezes ao longo de seus quase 70 anos de atividade. Com um humor e uma leveza que falta à maioria dos revolucionários, Resnais encena a encenação sem nunca mostrá-la de fato. Os personagens falam sobre a peça que estão ensaiando, mas ao espectador é reservado apenas o direito de imaginar os movimentos daqueles atores amadores.
Como fez nos longas gêmeos Smoking e No Smoking, que, como neste último filme, têm por base peças do inglês Alan Ayckbourn, Resnais trabalha com cenários artificiais, que emulam casas, jardins e fazendas, trazendo a encenação para o primeiro plano, acima da história que está sendo contada, ressaltando o trabalho dos atores. A companheira de muitos anos Sabine Azéma e o colaborador de todos os últimos filmes, André Dussolier, lideram um elenco enxuto que tem Hippolyte Girardot, Sandrine Kiberlain, Michel Vuillermoz e a excelente Caroline Sihol. Todos interpretam com o objetivo de desmistificar a relação entre ator e espectador.
Também existe uma ligação direta entre este último filme e o trabalho anterior de Resnais, Vocês Ainda Não Viram Nada!. Naquele longa, atores profissionais se reuniam depois da morte de um dramaturgo e eram convocados a realizar seu último desejo, o de encenar mais uma vez o texto de uma peça, procurando esgotar as possibilidades de reinterpretação. Aqui, um grupo de amigos, todos amadores, é convidado para participar dos ensaios uma montagem. O texto não importa, mas, sim, a encenação do bastidor. Nos dois filmes, personagens fantasmas estão centro da ação: no longa anterior, é o dramaturgo que nunca é visto. Em Amar, Beber e Cantar, nem a diretora da peça nem o amigo comum a todos os personagens entram em cena.
O passeio cruel e poético pelos campos de concentração em Noite e Neblina, o conto anti-guerra em três atos de Hiroshima, Meu Amor, a desconstrução da narrativa em O Ano Passado em Marienbad. Os filmes de Alain Resnais nunca se encerraram em sua primeira instância. Os cenários artificiais desta última obra apresentam o cinema como um palco de ilusões onde a encenação parece o reflexo de um modelo de comportamento. A narrativa está viciada não apenas na arte, parece alertar o cineasta. Ao eleger a forma como uma maneira de desnudar o texto e a interpretação, o diretor não pretende nos convencer de sua história, nem nos vender seus personagens, mas nos entrega de bandeja uma maneira de prospectar sobre a vida. Como um bom revolucionário, Resnais não desistiu nem no fim.
Amar, Beber e Cantar
[Aimer, Boire et Chanter, Alain Resnais, 2014]
Assisti muitas vezes O Ano Passado em Marienbad e sempre amarei esse filme. Um trabalho tão antigo e tão absurdamente contemporâneo, moderno. Agum dia retornarei a ver Hiroshima Mon Amour. Os filmes citados, a gente encontra por aqui? Obrigado