PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

Documentário mergulha nas favelas para descobrir as motivações do hip hop.

Nada como rock’n’roll. A reunião do triunvirato guitarra-baixo-bateria com a rebeldia adolescente completa seus cinqüenta anos de grandes músicas, grandes discos e grandes mitos. Em suas cinco décadas de história, o rock ganhou centenas de vertentes e fusões, definiu tendências visuais e de comportamento. Virou moda, saiu da moda, confunde-se com estilo de vida. Mas por ser tão imenso em seu universo particular, abrigou vários movimentos, mas nunca foi um verdadeiro movimento. De um outro lado, o hip hop é uma manifestação relativamente recente. Somente em meados dos anos 80, com a explosão da versão que o Run DMC fez para Walk This Way, do Aerosmith, é que o mundo realmente ouviu com atenção aquele som, aquela cultura. Nascido nos guetos negros, o hip hop não somente ganhou o público por sua inovação musical. O ritmo, a poesia e os ritmos das ruas ganharam caráter social, viraram bandeira, panfleto e representação de identidade.

O tempo mudou as cores do movimento. O hip hop e tudo que ele engloba deixou de ser negro e passou a representar a periferia social. Dos bairros nova-iorquinos, a música ganhou rapidamente o mundo. França, Rússia, Brasil. Países com histórias musicais completamente diversas da dos Estados Unidos reproduziram e mais tarde recriaram cada um a sua maneira o hip hop. Num momento em que Fala Tu, de Guilherme Coelho, leva aos cinemas parte desta cultura, é um documentário simples que me leva a escrever este texto. Aqui Favela – O Rap Representa se passa nas periferias de São Paulo e Belo Horizonte. Lá, contando pedaços da história de meninos e meninas pobres, a dupla de cineastas faz entender porque essa cultura paralela que está espalhada por todos os lugares é tão rica, forte e representativa.

Sem necessidade de pareceres ou determinações, o filme constrói sua “mensagem” (sim, este filme tem uma) através da sucessão dos depoimentos colhidos. Do garoto que se despede da mãe e se prepara para ir tocar na noite ao pós-adolescente que mostra com orgulho seu bebê nos braços, o documentário define os personagens desta história. O hip hop é o caminho, a verdade e a vida de uma geração inteira (ou mais de uma) que vive isolada num espaço com restrições de liberdade, informação e perspectivas profissionais. Milhares de pessoas que têm na música sua voz. E isso vai dos anônimos às celebridades. A entrevista extremamente lúcida e apaixonada de Thaíde define bem essa idéia: “através do hip hop, a gente descobriu que não existe limite. Você tem o direito de avançar aquele ponto que você ia sempre. Você tem direito. Entendeu?”.

Com uma habilidade pouco vista nos documentaristas brasileiros (exceto Eduardo Coutinho, indiscutivelmente o melhor deles), os cineastas acariciam seus entrevistados a ponto de que o espectador muitas vezes assuma a condição de amigo do personagem. O filme tenta se despir ao máximo de ser janela para deixar todos confortavelmente sentados na sala de estar da vizinha. Aqui Favela – O Rap Representa é mais genuíno que muito produto tipicamente nacional. E faz isso sem muito esforço.

AQUI FAVELA, O RAP REPRESENTA

Aqui Favela – O Rap Representa, Brasil, 2004

Direção, Produção e Roteiro: Júnia Torres e Rodrigo Siqueira.

Fotografia: Léo Ferreira. Direção de Arte: Julio Dui.

nas picapes: Goodbye To Love, American Music Club.

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