BLAME CANADA: O CINEMA DE HOJE NO PAÍS GELADO

O cinema canadense nunca foi forte como conjunto, mas sempre gerou bons diretores. Foi lá que surgiram David Cronenberg, Denys Arcand e Atom Egoyan, por exemplo. Desta lista curta, os dois últimos nomes chegaram aos cinemas brasileiros recentemente com seus mais novos títulos. O primeiro deles foi o egípcio Egoyan, autor do belo e gélido O Doce Amanhã (97), que resolveu desta vez contar parte da história da Armênia. Ararat mostra um cineasta que recria para o cinema o genocídio de seu povo, entre 1915 e 1918. O filme dentro do filme é um recurso antigo e desgastado, mas a inteligência do roteiro do próprio Egoyan traz para a vida real os dramas do estúdio, numa estrutura que revela os personagens aos poucos e seduz como filme de suspense. De Christopher Plummer, como o funcionário da alfandêfaga com moral inabalável, a Elias Koteas, o ator com o racismo incrustrado, o elenco é surpreendente. O protagonista David Alpay talvez seja a maior dessas surpresas. Carrega um papel difícil com competência e discrição, coisa cada vez mais rara no cinema atual, quando o histrionismo é visto como talento corajoso. Ararat se diferencia do cinema político feito hoje porque não centra fogo numa mensagem, mas na história que a transmite.

O novo filme de Denys Arcand dividiu opiniões. Ótimo. Melhor do que ser unânime. As Invasões Bárbaras recupera as histórias dos personagens do filme mais famoso do diretor, O Declínio do Império Americano (86), que ainda permanece inédito para mim. A princípio, o filme mostra a reaproximação de pai e filho diante da iminente morte do primeiro. O clichê é deixado de lado porque Arcand usa sua sinopse para falar do mundo atual e dizer que hoje não há espaço para as ideologias grandiosas que dominavam o planeta há algumas décadas. Os personagens do filme chegam à conclusão de que muitos de seus ideais, defendidos durante anos e anos, soam tão pueris que viraram fumaça frente a uma nova ordem mundial e frente à morte. Não há ranço para com as grande utopias, há apenas um gradativo processo de desamor, desses que acontecem quando você deixa de amar alguém que você amava muito. A ironia do texto, sempre bem afiado, reforça a certeza de que o mundo mudou e a gente tem mais é que aceitar isso. Gargalhadas e garganta seca não faltam e Arcand, inteligente manipulador do seu espectador, sabe mudar de tom com rapidez e elegância. As referências sarcásticas aos Estados Unidos são de fazer corar um certo Michael Moore, que precisa gritar para chamar atenção. As Invasões Bárbaras não defende o comodismo, aposta na esperteza na hora de defender suas convicções.

Ararat
Ararat, Canadá/França, 2002.
Direção e Roteiro: Atom Egoyan.
Elenco: David Alpay, Arsinée Khanjian, Christopher Plummer, Charles Aznavour, Marie-Josée Croze, Eric Bogosian, Brent Carver, Bruce Greenwood, Elias Koteas, Simon Abkarian, Lousnak, Raoul Bhaneja.
Produção: Atom Egoyan e Robert Lantos. Música: Mychael Danna. Fotografia: Paul Sarossy. Edição: Susan Shipton. Direção de Arte: Phillip Barker. Figurinos: Beth Pasternak.

As Invasões Bárbaras
Les Invasions Barbares, Canadá/França, 2003.
Direção e Roteiro: Denys Arcand.
Elenco: Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Dorothée Berryman, Louise Portal, Dominique Michel, Yves Jacques, Pierre Curzi, Marie-Josée Croze, Marina Hands, Toni Cecchinato, Mitsou Gélinas, Sophie Lorain, Johanne-Marie Tremblay, Denis Bouchard.
Produção: Daniel Louis e Denise Robert. Música: Pierre Aviat. Fotografia: Guy Dufaux. Edição: Isabelle Dedieu. Direção de Arte: François Séguin. Figurinos: Denis Sperdouklis.

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