MOSTRA DE SÃO PAULO – PARTE UM

A noite de sábado terminou com um homem exausto. Depois de uma maratona de cinco longa-metragens – e mais dois curtas – só o sono para renovar as forças. Os dois últimos filmes do dia apresentaram resultados bastante irregulares. O primeiro veio das terras frias. Histórias de Cozinha é um daqueles filmes que aposta na delicadeza para construir uma boa história. O filme viaja até os anos 50 para mostrar os resultados de uma experiência bem original: a observação dos passos de um homem solteiro dentro de sua própria cozinha. O resultado garantiu um prêmio de direção para o cineasta Bent Hamer, uma conquista um tanto excessiva para o trabalho.

Hamer usa a direção de arte, ao mesmo tempo simples e estilizada, e música, doce e envolvente, para mostrar a aproximação do observado e do observador. A tática é vencer pelo encantamento, mas existe um pequeno problema aqui: a condução do longa é completamente fria. E isso vai de encontro ao calor pretendido pelo filme. As cenas são estudadas, ensaiadas, programadas e a ação, propositadamente lenta, acontece sem força. Os atores têm bons desempenhos, mas os personagens estão presos a fórmulas desgastadas apesar do clima de filme europeu. Em alguns momentos, o cineasta se aproxima de sua intenção inicial e garante cenas bonitas, como a do trailer levado pelo trator, mas no geral os clichês estão presentes em todas as partes. É inegável que o filme exala simpatia e que consegue ser eficaz no geral, mas isso é pouco mesmo para um filme que quer ser uma pérola.

Mudando de bacalhau para sushi, o primeiro – e único contato até agora – com o cinema de Kiju Yoshida, o Godard japonês, foi decepcionante. A sinopse de Mulheres no Espelho prometia bastante: mulher cuja filha sumiu há vinte e tantos anos descobre que ela pode estar bem próxima. É a deixa para Yoshida traçar um painel sobre a identidade, que sofre por uma série de problemas. O primeiro é que existe uma tentativa de forçar a pulsão psicológica do filme, que ganha símbolos batidos como um espelho quebrado e uma trilha sonora completamente despropositada. O segundo, e talvez o pior, é que Yoshida cria uma história que se torna implausível nos dias de hoje: existe uma dúvida de maternidade no país mais tecnológico do mundo e se passam dias e semanas sem ninguém fazer – e com todo mundo falando sobre – um exame de DNA. O cineasta/roteirista tenta justificar sua narrativa com injeções de suspense em atalhos da trama que não têm a mínima influência no conjunto final. Existe uma certa artificialidade nas interpretações que parece ser intencional. A plástica é bonita, mas quando recorre a lugares comuns – o que num filme japonês fica disfarçado pelo modo de filmar -, Yoshida estraga sua boa idéia. Seu mérito é ter feito uma das mais belas cenas dos últimos tempos: a reconstrução dos efeitos da bomba atômica em Hiroshima numa seqüência original e extasiante. Mas nem isso salva o filme…

Histórias de Cozinha
Salmer fra kjøkkenet, Noruega/Suécia, 2003
Direção: Bent Hamer.
Elenco: Joachim Calmeyer, Tomas Norström, Bjørn Floberg, Reine Brynolfsson, Leif Andrée, Trond Brænne, Gard B. Eidsvold, Lennart Jähkel, Sverre Anker Ousdal.
Roteiro e Produção: Jörgen Bergmark e Bent Hamer. Produção: Jeremy Thomas. Fotografia: Philip Øgaard. Edição: Pål Gengenbach. Direção de Arte: Billy Johansson. Figurinos: Jacqueline Durran. Música: Hans Mathisen.

Mulheres no Espelho
Kagami no Onnatachi, Japão/França, 2002
Direção e Roteiro: Kiju Yoshida.
Elenco: Mariko Okada, Yoshiko Tanaka, Sae Isshiki, Hideo Morota, Tokuma Nishioka, Mirai Yamamoto, Miki Sanjo, Hiroshi Inuzuka.
Produção: Philippe Jacquier, Takumi Ogawa, Yutaka Shimomura e Shinichi Takata. Fotografia: Masao Nakabori. Edição: Hiroaki Morishita e Kiju Yoshida. Direção de Arte: Kyôko Heya. Figurinos: Jacqueline Durran. Música: Keiko Harada e Mayumi Miyata.

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