[a balada do amor inabalável]

A possibilidade de o discurso cair num abismo sentimental era imensa, mas Gianni Amelio é imensamente feliz ao não eleger o garoto deficiente como o tal que merece atenção. Cabe mais ao pai ausente este papel. O acerto de contas entre os dois desconhecidos obedece apenas à lógica daquela dimensão que costumamos chamar de vida real, sem arroubos dramáticos, sem filosofia rasa sobre culpa, sem que se cobre o extra quando o assunto é ordinário. O amor que vemos ser desenhado na tela é natural, inerente, óbvio. Como deveria ser.

O diretor suga da aparência frágil e da cara de bom moço do excelente Kim Rossi Stuart não o pai ideal, mas o pai possível, provável. A identificação surge como conseqüência natural da observação de que aquele homem quer apenas fazer o que lhe parece certo, mesmo que completamente estranho à delicada situação. E, por mais que esse caminho seja perigosamente próximo da pieguice, Amelio parece saber muito bem como trocá-la pelo humanismo, com mostra a personagem-coadjuvante-contraponto-voz-da-consciência de uma ótima Charlotte Rampling.

A intenção de As Chaves da Casa não parece ser fazer chorar, objetivo de muitos filmes afins, mas você pode fazer isso se quiser. Eu não consegui, até porque cada vez que penso chego à conclusão de que só choro com lugar comum, o que me deixa muito decpcionado, mas desta vez foi diferente. O filme de Gianni Amelio (batizar o protagonista de Gianni seria uma coincidência) é uma prova de que todas as histórias, por mais tolas e regulares que sejam, são boas histórias caso encontrem bons contadores. Taí um filme que me deixou feliz.

[as chaves de casa ]
direção: Gianni Amelio. roteiro: Sandro Petraglia, Gianni Amelio e Stefano Rulli, baseado em livro de Giuseppe Pontiggia. elenco: Kim Rossi Stuart, Andrea Rossi, Charlotte Rampling, Alla Faerovich, Pierfrancesco Favino, Manuel Katzy, Michael Weiss. fotografia: Luca Bigazzi. montagem: Simona Paggi. desenho de produção: Giancarlo Basili. figurinos: Cristina Francioni. música: Franco Piersanti. produção: Elda Ferri e Enzo Porcelli. site oficial:
as chaves de casa. duração: 105 min. le chiavi di casa, itália / frança / alemanha, 2004.

nas picapes: [waving my arms in the air, syd barrett]

Comentários

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6 comentários sobre “As Chaves de Casa”

  1. Gostei muito da sua observação sobre o pai possível, não o pai ideal. É por aí mesmo. Belo filme, sem dúvida.

    Agora, que mistura estranha essa, escrever sobre “As Chaves de Casa” ouvindo Syd Barrett, hehehe…

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