CONTO DE OUTONO

Existe uma grande discussão sobre qual deve ser a prioridade de um cineasta: conquistar seu público, mesmo que ele seja restrito, ou experimentar, inovar, contribuir para o desenvolvimento não apenas técnico da arte. Essa questão se complica ainda mais quando tenta se estabelecer o que é e o que não é ser autoral. Talvez o problema seja o radicalismo de ambos os lados: ou se abre mão de maior inventividade para atingir um número cada vez maior de espectadores ou se assume o cinema como área de experimentação e não existe preocupação em fazer o público entender e, o mais grave, se interessar pelo que está na tela.

Meios-termos são bastante difíceis.

A nouvelle vague, o movimento cinematográfico francês da virada dos anos 50 para os 60, é normalmente associada ao ressurgimento de um cinema inteligente, que cria, que inova na linguagem e na estética. Da nouvelle vague, surgiram dois cineastas opostos. François Truffaut e Jean-Luc Godard. Se Truffaut preferiu adotar as histórias mais simples e um modo mais apaixonado, no que isso tem de bom e de ruim, de filmar, Godard sempre centrou fogo em temas mais complexos e numa busca criativa mais pessoal, que arrebatou legiões e afastou meio mundo. Truffaut e Godard são grandes cineastas. Mas são muito diferentes. Quase opostos. Ícones de um movimento contraditório.

Éric Rohmer também surgiu com a nouvelle vague. Ele, junto com Claude Chabrol e Jacques Rivette, e mais Truffaut e Godard, são os cinco maiores nomes da nova onda. Mas Rohmer tem um cinema bem à parte de seus comparsas. Uma das características mais fortes de sua filmografia é justamente o fato de tentar não fazer cinema. Rohmer aposta num naturalismo quase torturante. Mas, muitas vezes, o feitiço não funciona. A apatia generalizada das interpretações desdramatiza a trama, que fica desacreditada e não cumpre sua função primordial: envolver o espectador. Ah, mas nem todo mundo se preocupa com ele, o espectador…

Afinal, ele é apenas o cara que assiste ao filme.

Em um de seus últimos longas, A Inglesa e o Duque, ele abre o diário de uma dama da época da Revolução Francesa e lê alguns trechos de seu dia-a-dia. E pronto. Não fosse a idéia espetacular de trabalhar com gigantescas telas pintadas como cenários externos, o filme seria pouco mais que um desperdício de tempo. A obra do cineasta tem trabalhos geralmente cultuados. De Minha Vida com Ela (69) a sua série Contos das Quatro Estações, com histórias envolvendo o amor e os relacionamentos associadas a cada uma das épocas do ano. Conto de Outono (98) é um destes títulos. O filme, em que – mais uma vez – os atores não parecem atores, mostra a vida de uma vinicultora que quer encontrar um marido, mas não faz nada para isso. Sua melhor amiga e a namorada de seu filho resolvem fazer o papel de cupido.

A idéia do roteiro é interessante. Mostrar os encontros e desencontros possíveis numa armação amorosa. Discutir a busca (e os caminhos) para se chegar ao amor. Falar sobre a solidão e sobre satisfazer suas próprias curiosidades e carências usando os outros. Mas é justamente o traço mais clássico dos filmes de Rohmer que estraga tudo. Ninguém convence, ninguém emociona, ninguém interessa. Não há amor ou ódio pelos personagens porque não há interpretações, nem ensaios de. Tudo é falso quando deveria parecer real. Nada acontece. Talvez da próxima vez.

Conto de Outono
Conte d’Automne, França, 1998
Direção e Roteiro: Éric Rohmer.
Elenco: Marie Rivière, Béatrice Romand, Alain Libolt, Didier Sandre, Alexia Portal, Stéphane Darmon, Aurélia Alcaïs, Matthieu Davette, Yves Alcaïs, Claire Mathurin.
Produção: Françoise Etchegaray. Música: Claude Marti, Gérard Pansanel, Pierre Peyras e Antonello Salis. Fotografia: Diane Baratier. Edição: Mary Stephen. Direção de Arte: Claire Champion.

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