[carne trêmula]

O que diferencia o homem dos outros animais? O ser humano costuma temer os limites entre o racional e o instintivo. Na ficção, a proximidade com o animalesco é condenada a obras que jamais relativizam o comportamento das personagens, que rapidamente são moldadas em estereótipos simplórios. O novo filme de Claire Denis é um corajoso recorte de um universo delicado, com uma abordagem raramente tão bem-sucedida.

A princípio, Denis se ausenta de grandes explicações e se aventura pelo tema através do retrato, sem julgamentos, e, inclusive, com uma lógica naturalista para o desvio comportamental das personagens. A antropofagia surge como conseqüência natural do desejo sexual, o domínio completo do corpo do outro, uma evolução sensorial quase vampiresca. Mas Denis não faz alarde com o tema, mesmo fazendo um filme que privilegia a imagem, os quadros, como todos os filmes deveriam ser.

O filme acontece em dois planos, díspares, mas que lidam com o mesmo material: a carne e os impulsos irracionais que ela provoca. De um lado, Béatrice Dalle – que tem pelo menos uma cena magistral -, incontrolável, completamente imersa, refém com consciência de seu desejo. Do outro, Vincent Gallo – também muito bem – e seu sofrimento por reprimir seus desejos unicamente por amar.

Eu provavelmente não consegui entender todos os detalhes da história de Desejo e Obsessão. Não consegui entender como surgiu esta compulsão e qual a relação dela com os estudos dos médicos do filme. Mas Claire Denis não fez um filme para se entender exatamente. Seu filme é sobre o incontrolável, o irracional, o ancestral que mora dentro de todos e do qual você e eu temos muito medo.

[desejo e obsessão ]
direção: Claire Denis.
roteiro: Jean-Pol Fargeau e Claire Denis.
elenco: Vincent Gallo, Tricia Vessey, Béatrice Dalle, Alex Descas, Florence Loiret, Nicolas Duvauchelle, Raphaël Neal, José Garcia, Hélène Lapiower, Aurore Clément, Bakary Sangaré.
fotografia: Agnès Godard. montagem: Nelly Quettier. música: Tindersticks. desenho de produção: Arnaud de Moleron. figurinos: Judy Shrewsbury e Caroline Tavernier. produção: Georges Benayoun, Philippe Liégeois e Jean-Michel Rey. . duração: 101 min. desejo e obsessão, França/Alemanha/Japão, 2001.

[rodapé] hoje, a partira das 23h, no blogue da Liga dos Blogues Cinematográficos, vai ser revelada a lista dos melhores filmes dos anos 80 segundo mais de cinqüenta integrantes do grupo.

nas picapes: [trouble every day, tindersticks]

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6 comentários sobre “[desejo e obsessão]”

  1. Esta frase aqui me incomodou bastante: “…mesmo fazendo um filme que privilegia a imagem, os quadros, como todos os filmes deveriam ser”. Na verdade, a palavra “deveria”.

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