Não existe uma grande cena em Django Livre. Uma daquelas sequências arrebatadoras de verdade que nos acostumamos a ver nos filmes de Quentin Tarantino. Se, ao longo de 20 anos, o cineasta mais influente de sua geração pariu pelo menos uma dezena de momentos de puro êxtase cinéfilo, seu novo trabalho traz, no máximo, cenas inspiradas, como a saída dos protagonistas do saloon ou o ataque da Ku Klux Klan. Talvez as regras do western tenham cerceado a liberdade do homem, talvez tratar de um tema como a escravidão tenha lhe dado inéditos pudores. O fato é falta uma coisa que sempre sobrou nos filmes dele: “mojo”.
A palavra, pra quem não viu os filmes do Austin Powers, indica aquela energia invisível que deixa alguma coisa muito legal. Django Livre tem um pouco disso, mas quase nunca flui plenamente. O timing – ou a falta dele – é um problema real. A troca de montadores prejudicou bastante o ritmo do filme. Sally Menke, que editou todos os longas do diretor, morreu em 2010. Fred Raskin, auxiliar de montagem nos dois Kill Bill, assumiu a função, mas, pela primeira vez, um filme de Tarantino demora a passar, demora a acontecer, demora duas horas e 45 minutos.
A fórmula deste novo longa é a mesma que segue imutável há 20 anos: longos diálogos, geralmente espertíssimos; um projeto estético que recicla filmes B dos anos 60 e 70; quilos de música antiga; e um roteiro cheio de situações esdrúxulas que, no universo do diretor, ganham pertinência. Talvez o que não existe no western de Tarantino seja aquela vontade quase juvenil de se arriscar. Talvez façam falta também as referências à cultura pop, limitadas a pouco mais que a ponta de Franco Nero, o Django original, e à trilha emprestada de Ennio Morricone (mais um vez, um trabalho brilhante de reciclagem de temas musicais).
Se o texto não traz o deleite que se espera de um filme do diretor, o elenco é, mais uma vez, afinado. Jamie Foxx está bem, mas cresce muito na interação com Christoph Waltz, que merece todos os elogios. Ele constrói um personagem dono de uma ironia refinada, uma afetação moderada, tão encantador quanto o de Bastardos Inglórios. Leonardo Di Caprio e Samuel L. Jackson também estão bastante à vontade em seus papeis, mas como têm menos tempo em cena não conseguem se desprender do texto como faz Waltz. A ponta de Tarantino é que não acrescenta muito. Esta sequência que leva ao último ato do filme, parece não cumprir muito bem sua função.
A polêmica causada pelo filme, a quantidade de vezes que os personagens usam a palavra “nigger”, é uma bobagem. O que foi visto como um acinte para com a comunidade afro-descendente na terra de Lincoln parece mais uma característica do cinema do diretor. Além do mais, os “niggers” que saem dos bocas dos personagens brancos ajudam a contextualizar uma época e uma situação. O que, de certa forma, decepciona em Django Livre é que os espectadores dos filmes de Tarantino foram treinados para esperar que o diretor sempre se supere em sua obsessão por referências, mas desta vez a reciclagem não foi tão legal assim.
Django Livre
[Django Unchained, Quentin Tarantino, 2012]
P.S.: Django Livre concorre a 5 Oscars, inclusive o de melhor filme. Outros indicados deste ano: Argo, de Ben Affleck; e Indomável Sonhadora, de Benh Zeitlin.
Achei Django Livre um ótimo filme. Vigoroso, esperto e com interpretações memoráveis de Waltz, DiCaprio e Jackson (para mim, o personagem mais repugnante do filme). Prova que Tarantino está numa fase madura como diretor; ele saber filmar, e muito bem. Não importa tanto se não é o melhor de Tarantino, eu mesmo prefiro Bastardos Inglórios (dos mais recentes). Mas sempre que tem um em exibição, dá uma lavada na alma.
Eu não me empolguei tanto assim.
Também me decepcionei.
Mas traço um paralelo: assim como Scorsese homenagea o terror psicológico com seu The Shutter Island, acho que Tarantino faz o mesmo com Django Unchained. Partindo desta premissa fundamental, o filme cumpre com o objetivo de ser uma homenagem com toques pessoais.
Outros problemas são a fluidez e a duração exagerada do filme (já mencionados por você) e até mesmo o roteiro, com algumas cenas desnecessárias. E Jamie Foxx, considerei a atuação dele como um “OK, foi bem” mas nada de espetacular – aliás, acho que ele entra na categoria dos atores como aqueles que têm uma atuação estupenda para um personagem perfeito pra carreira dele (Ray).
A cena em que Dr Schultz conta a lenda a Django realmente é esteticamente muito bonita. Mas, assim como você, não considero “a” cena do filme, assim como nenhuma outra. Chego a arriscar que a melhor cena é quando a trilha de Moriconne subiu alto nos falantes do cinema (e sinceramente nem lembro o que era exibido na tela neste momento).
Parabéns pela crítica, como sempre.
Abraços!
Pois é, Willian, nosso amigo Quentin ficou devendo.
A cena em que Waltz fala da mitologia da Brunhilda, pra mim, tem mojo, Chico. E a que resolve tudo no final, também.
E o “D” é mudo! Filmaço!
é um bom exemplo, Vinícius.