Elena

A voz pequena de Petra Costa quase é engolida pelo som ambiente nas primeiras cenas de Elena, sobretudo naquelas em que se acompanha o movimento das ruas de Nova York. Quando nos acostumamos à suavidade do jeito de falar da cineasta, narradora de seu próprio filme, descobrimos que sua irmã, que batiza o longa, tem o mesmo tom de voz, o mesmo sotaque mineiro delicado, e que as duas, Elena e Petra, guardam grandes semelhanças físicas. As irmãs são separadas por mais de dez anos de idade, mas quando surgem adultas, num encontro de imagens recentes produzidas para o filme e vídeos caseiros registrados ao longo dos anos, parecem a mesma pessoa. É no meio desse jogo de espelhos – onde confundir as duas personagens principais do longa se torna corriqueiro mesmo que dure alguns segundos – que a diretora costura seu documentário em primeira pessoa, seu filme de memórias no formato de álbum de família.

A realização do longa deve ter sido difícil. Primeiro porque Petra não poupa sua família de vasculhar uma de suas maiores dores. Quando a mãe das duas surge na tela – geralmente em closes que parecem feitos para mostrar de onde vem a semelhança entre as irmãs – ficamos certos de que as vidas destas três mulheres estão entrelaçadas para sempre. Segundo porque Petra assume uma postura quase simbiótica em relação à irmã. Ela era sua heroína, sua inspiração, dela veio seu projeto de vida, Elena era o duplo de Petra. Por isso, a opção por explorar as semelhanças entre as duas ganha contornos dramáticos quando o espectador descobre o destino da personagem-título do filme, uma virada tão avassaladora que não se consegue explicar.

É aí que surge uma das melhores decisões da cineasta. Embora envolva o filme numa embalagem poética, Petra acerta no tratamento de um dos temas mais delicados para se registrar no cinema: o desaparecimento de Elena é visto tanto pelos relatos doloridos, mas um tanto assépticos, de quem estava a sua volta quanto pelas impressões inocentes de uma criança de sete anos. “Como assim ela morre no final?”, pergunta Petra para a irmã que acaba de ler a fábula A Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen. A ironia da questão serve para que a cineasta justifique sua proposta. A homenagem está explícita, a perda está registrada, mas com um equilíbrio raro que valoriza a emoção e não o excesso. O texto do filme é um texto pensado, calculado, mas esse cálculo não diminui sua força poética, nem sua espontaneidade porque, acima de tudo, este é um filme sincero.

Não há um único momento em Elena em que este não seja um filme sobre Petra como também não existe um único momento no longa em que a diretora fale apenas para si mesma. O canto de Petra Costa para irmã é um canto para que ela mesma encontre a paz, mesmo que esta paz venha sem explicações. “Enceno a nossa morte para poder viver”, declara, sutil, a diretora. As memórias de Elena finalmente encontraram seu lugar.

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[Elena, Petra Costa, 2012]

Comentários

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6 comentários sobre “Elena”

  1. filmes do chico foi a coisa mais linda que vi no cinema este ano! Eu fui ver sem ter visto o trailler direito, não sabia nem como se estruturava a narração. Achei lindo, achei doloroso, achei libertador. Impossível não ficar remoendo pedaços do filme tempos depois de assisti-lo. Eu acho que temos ali um impacto, por estar em contato com a morte e com relatos tão sofridos, como se Elena tivesse acabado de morrer. 'It huts my feelings too, Petra', tive vontade de dizer. Eu acho até que disse, pra mim mesma, durante a sessão. Depois entramos em sintonia com Petra e a sua libertação, afinal de contas são mais de vinte anos depois, ela está preparada para deixar partir. Apesar disso, penso sempre em Elena também, não tem como não sair tocado do cinema, ga]nhar a rua e andar perplexo por umas horas que se seguem. Elena é lindo.

  2. É a primeira das críticas que me arrepia. Eu realmente quero ver esse filme, vi o trailer no youtube e "sonhei com você mas então você virou água" me comoveu de cara. Vamos ver se acho passando em algum lugar, obrigada de novo, Chico!

  3. Esté é um filme super complicado de criticar dada a temática e o tom de relato pessoal. Acontece que Elena era uma história de família e hoje é um filme e deve ser avaliado como tal. Achei narrativamente linear e pobre. O texto é íntimo, sincero, mas… obvio? As vezes acredito que seja o tom meio infantil, por conta de um narrador-enunciador criança. Mas o filme também não leva essa proposta a sério…
    Plasticamente não achei revelador, as imagens sempre correspondem ao texto. O que talvez seja um forma de falar com um grande público (depois de tanta publicidade…).

    Resumo: a história de Petra, Elena, da busca e etc é interessante. O filme não.

    1. Eu respeito, mas discordo bastante. Acho que o texto do filme brota espontaneidade, que o longa cria uma relação de suspense em relação à protagonista que é um artifício de filmes dramáticos e que o formato não é nada convencional.

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