Antes de a palavra invadir as telas já havia o cinema. As imagens em movimento contaram milhões de histórias antes do cantor de jazz de Al Jonson soltar a voz na singela Mummy, em 1928. Doces vagabundos, vampiros horrendos, mulheres-robôs, gordos e magros construíram, por um mérito ou outro, a história das primeiras décadas do cinema com a delicadeza dos gestos e o um intenso trabalho de descoberta das imagens. Mas a falta de palavras também era refúgio para a mediocridade. As caras e as bocas de muitos artistas desprovidos de talento foram enterradas com a chegada do som. Escondidos por trás de uma câmera, os cineastas tiveram um pouco mais de sorte. É o caso de Ernst Lubitsch.
O cineasta, que mais tarde viria a dirigir obras de porte como Ninotchka, Ser ou Não Ser e o meu favorito A Oitava Esposa do Barba Azul, começou a carreira na Alemanha fazendo muito filme ruim. Lubitsch, que depois seria o dono do famoso Lubitsch Touch, o toque de Lubitsch (algo meio mágico que dava vida a comédias simples), foi um diretor do cinema de consumo que a UFA, o maior estúdio alemão da história, utilizou até sua partida para Hollywood. Em menos de dez anos, o cineasta fez mais de trinta filmes, incluindo a adaptação da pantomima Sumurun e um longa inspirado na cortesã francesa Madame Dubarry.
A ingenuidade do último filme está presente em todas as suas cenas. Lubistch trata sua Dubarry como uma personagem de conto de fadas em que nada dá certo. Não é propriamente uma crítica à não interpretação dos atores, coisa comum àquela época, mas ao simplório desenvolvimento da história. Fragmentada, mal editada, pouco… construída. Madame Dubarry simplesmente não funciona. Não é um retrato da França da Revolução. Não conta a história de uma mulher. Não é um filminho bobo para as mocinhas da década de 10. Parece um filme que nunca chegou à sua forma final. Pode parecer exigência demais para um filme feito em 1919, mas este foi o ano em que Robert Wiene dirigiu o impecável O Gabinete do Dr. Caligari.
Sumurun, feito um ano depois, ao menos consegue ser coeso, apesar de igualmente ruim. Baseado numa pantomima passada nas imagéticas mil e uma noites das tão sonhadas Arábias, o filme entrelaça as histórias de duas mulheres, uma dançarina pérfida que quer se dar bem e uma bela moça do harém de um sultão. Aqui, se a história é melhor desenvolvida, o que incomoda é a obviedade do texto e a limitação das interpretações. Pola Negri encarna uma mulher do mais baixo nível em cada cena que faz. Seus contorcionismos com intenções sensuais devem ter soado grosseiros e desnecessários à época, mas ajudam a desenhar sua personagem.
Mas o mais interessante ao ver estes dois filmes é analisar como um diretor ruim consegue evoluir no seu trabalho. Consegue partir para a criação e desenvolver um estilo próprio, envolvente e reconhecível em cada obra. Lubitsch, que surgiu para o universo das artes como ator da trupe de Max Reinhardt, diretor de teatro alemão da virada do século 19 para o 20, talvez ainda não tivesse atingido a maturidade necessária para chegar a ser um cineasta de verdade. Talvez por isso mesmo o gordo corcunda que ele mesmo interpreta em Sumurun seja o melhor destes dois filmes esquecíveis.
Madame Dubarry ½
[Madame Dubarry, Ernst Lubitsch, 1919]
Sumurun
[Sumurun, Ernst Lubitsch, 1920]