A Seita ½
[A Seita, André Antônio, 2015]
Crescimento desordenado das grandes cidades, ocupação dos espaços urbanos, especulação imobiliária. O assunto preferido do cinema pernambucano. Só que A Seita tem um diferencial entre seus conterrâneos: é uma ficção-científica hipster-retrô estrelada por um dândi anestesiado que acabou de chegar de volta ao Recife, vindo das colônias de Marte, onde morava com os pais. Na cidade, quando não vaga pelas ruas desertas em busca de ruínas e de sexo rápido, recebe namorados de uma noite só encontrados em aplicativos gays. Veste-se como se estivesse num brechó e bebe vinho e olha para o nada, sem se lembrar de seus sonhos. A apatia do protagonista parece ser uma crítica a uma certa juventude acrítica, despolitizada, desprovida de maiores ambições. Este é o primeiro filme do coletivo Surto e Deslumbramento, que segundo o próprio grupo, quer fazer filmes “cada vez mais pintosos”. A deia é, por si só, excelente, mas falta ao projeto do diretor André Antonio saber que caminho tomar depois de revelar o mundo do jovem que estrela o filme. Essa falta de direção dialoga com a proposta inicial, mas não oferece uma reflexão completa para o espectador.
Sr. Holmes
[Mr. Holmes, Bill Condon, 2015]
Sr. Holmes, baseado na novela de Mitch Cullins, A Slight Trick of Mind, segue na contracorrente da tendência cada vez mais volumosa de dar texturas mais realistas a personagens clássicos da literatura mitológica, do Rei Arthur a Drácula. Se aposta num Sherlock Holmes mais humano, resolve retratá-lo na terceira idade, aposentado, às voltas com um caso de que ele mesmo já não lembra muito bem e com uma colmeia de vespas como vilãs impiedosas. Essa opção deixa o material muito menos afetado e pouco exigente em relação à bilheteria, o que dá muita liberdade ao diretor Bill Condon, que tinha acabado de assinar os dois últimos capítulos da Saga Crepúsculo e retoma a parceria com Ian McKellen depois de 17 anos, quando os dois trabalharam juntos em Deuses e Monstros. Condon entrega o filme nas mãos do ator e McKellen, aos 76, se despe dá imponência de Magneto e Gandalf para compor uma personagem com os dois pés bem plantados no chão, mas com uma cabeça capaz das maiores viagens. Está bem diferente de seu habitual, nada empostado, livre de sua pose de lorde. É uma interpretação maravilhosa num filme que nunca pretende ser mais do que é.
Te Prometo Anarquia
[Te Prometo Anarquía, Julio Hernandez Cordón, 2015]
O cinema mexicano parece ter encontrado um tom intermediário entre os filmes agressivamente mais crus de Michel Franco e afins e os dramas familiares que fizeram história em sua filmografia. Te Prometo Anarquia aborda temas incrustrados à realidade mexicana como subemprego, violência extrema e tráfico de pessoas, mas trata desses assuntos de maneira periférica à história dos dois amigos skatistas, meio namorados, que ganham a vida vendendo doações de sangue no mercado ilegal. A promessa do título é meio artificial porque o filme segue um roteiro que, mesmo que guarde algumas surpresas, parece não fugir ao que foi planejado desde o esboço. Como em outros filmes mexicanos, este retrata uma geração apática e aculturada em relação a seu país. O foco no cotidiano dos protagonistas e a câmera natural mostram o descompromisso das personagens com o que está em sua volta, mas o que parece forçado em outros longas mexicanos aqui flui com uma certa naturalidade. José Hernández Cordón parece buscar a força vital de suas personagens nesse espírito perdido. Há uma referência a Os Esquecidos, clássico do cinema social mexicano assinado por Luís Buñuel que surge quando o roteiro tenta se livrar do esquema e encontrar mais seriedade no projeto.