600 Milhas
[600 Millas, Gabriel Ripstein, 2015]
Uma bela surpresa esse 600 Milhas. O indicado oficial do México para concorrer a uma vaga no Oscar de filme estrangeiro – não sabemos até quando porque 70% do longa é falado em inglês – leva a assinatura de Gabriel Ripstein, filho do cineasta Arturo Ripstein. O grande mérito deste filme de estreia é trabalhar com uma sucessão de quebra de expectativas que vai até a polêmica cena final. O filme tem produção de Michel Franco, do grotesco Depois de Lucia, ameaça namorar com esse novo cinema tru mexicano, mas aponta para outras possibilidades. O diretor já apronta para o espectador na sequência de abertura, em que introduz um protagonista falso, que vai perdendo espaço ao longo do filme. Também parece oferecer um tema, que vai se desdobrando em outro e em outro e em outro, até que não sobre mais muita coisa do que foi proposto no começo. Por fim, cria uma relação forte entre os dois verdadeiros protagonistas apenas para mostrar com as linhas são tênues quando a sobrevivência e a preservação da espécie está em jogo. A cena final é uma das melhores coisas dos últimos tempos.
Beira-Mar ½
[Beira-Mar, Filipe Matzembacher & Marcio Reolon, 2015]
Da mesma maneira que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, é um filme que promete mais do que cumpre por fazer apostas muito seguras. Desde o começo, por menos que explique quem são aqueles dois jovens, os diretores parecem apostar que o espectador quer que eles fiquem juntos. A viagem da dupla até uma praia do Rio Grande do Sul para resolver um assunto ligado à herança de um deles é embalada por uma trilha melancólica, paisagens tristes, festas cheias de momentos de silêncio e muitos olhares. Essa embalagem tem uma construção delicada e até funciona, mas culmina no grande lugar comum do encontro entre dois amigos bêbados. O resultado é um filme bonito, que certamente vai criar uma empatia com o público jovem, mas que poderia ser bem mais ousado em vez de apenas seguir o plano inicial à risca.
Bela e Perdida
[Bella e Perduta, Pietro Marcello, 2015]
Esse filme italiano, premiado no Festival de Locarno, é um caos completo. Primeiro, se apresenta como uma fábula cheio de elementos mitológicos e personagens fantásticos, mas logo depois vira uma ficção realista, entrecortada por uma série de imagens documentais para, por fim, tentar casar as duas linhas narrativas. Mas Pietro Marcello, que vem de uma carreira na direção de documentários, não consegue equilibrar as coisas e o resultado é uma bagunça sem tamanho. O mais irritante é tentar fazer um filme lindo a cada cena, apostando numa suposta poesia de ter como protagonista uma personagem clássica da comedia dell’arte italiana, o Pulcinella, uma espécie de palhaço de caráter dúbio que, segundo diz no próprio filme, é imortal. Para dar corpo a esse tom poético, o diretor elabora planos bonitos, estragados pela fotografia cheia de filtros excessivos e pela trilha, sempre um compasso a mais. No fim, Bela e Perdida nem funciona como obra de arte nem como obra social, ambição dupla do diretor.
Escritório
[Hua lI shang ban zou, Johnnie To, 2015]
Fazia cinco anos que Sylvia Chang, veteraníssima atriz de Taiwan, não fazia um filme sequer. Em 2015, além de estrelar o novo longa de Jia Zhang-ke, ela não apenas atua, mas também escreveu o roteiro de Escritório, versão para o cinema de um espetáculo musical estrelado por ela sete anos atrás. O mais surpreendente dessa história é que este filme é assinado por outro veterano do cinema chinês, Johnnie To, conhecido pelas histórias policiais e cheias de ação. To utiliza sua experiência num cinema físico para criar cenas intensamente orquestradas, ensaiadas e construídas em favor da plástica e do movimento para seu filme, que foi concebido para cinemas 3D. Essa agilidade que o diretor impõe ao longa faz um par bastante interessante com o texto de Chang, uma observação bem pé-no-chão sobre o mercado financeiro e a crise de 2008. Emoldurar essa visão política da situação num musical clássico, com músicas a cada dez, quinze minutos, é uma tarefa para poucos. Talvez não seja um dos melhores filmes recentes de Johnnie To, mas certamente é um dos mais ousados em sua cinematografia.
Montanha da Liberdade ½
[Ja-yu-eui eon-deok, Hong Sang-soo, 2014]
Hong Sang-soo está em programa duplo no Festival do Rio e, em ambos os casos, emula Woody Allen. Mas aqui a influência do baixinho americano é muito mais escancarada: tanto no humor sem jeito quanto nas locações e na movimentação dos protagonista. Há uma brincadeira metalinguística bem interessante que acontece quando uma personagem deixa cair várias páginas no chão e a estrutura das cenas fica completamente fora de ordem. Interessante a escolha de um ator japonês, o ótimo Ryô Kase, para o papel principal. Ele e So-ri Moon, com quem Sang-soo já havia trabalhado em alguns filmes, formam uma dupla em constante ebulição, que nunca perde o fôlego. As ideias do filme não são necessariamente novas, mas têm uma vitalidade interminável que a curtíssima duração, 67 minutos, só ajuda. Embora Right Now, Wrong Then pareça um filme mais forte, este aqui que tem muitos elementos em comum com ele, é uma experiência mais prazerosa.
Pecados Antigos, Longas Sombras ½
[La Isla Mínima, Alberto Rodríguez, 2014]
A Espanha vem se especializando em realizar filmes policiais bem acabados, decupados, apurados, mas limpinhos demais. Pecados Antigos, Longas Sombras, vencedor de vários Goyas, é mais um exemplar deste cinema aparentemente refinado, mas fortemente genérico, sem assinatura. Alberto Rodríguez administra uma trama bem construída sobre a chegada de dois policiais de Madrid numa região isolada do país para investigar o desaparecimento de duas adolescentes. Mas não sabe evitar muito bem os clichês: os dois policiais têm comportamentos completamente opostos, tipo good cop, bad cop; todos os moradores da cidade têm segredos a esconder e existe uma rede do mal que une todos. Raúl Arévalo, o policial bonzinho, é um dos comissários de bordo de Amantes Passageiros, de Pedro Almodóvar.
Tribunal
[Court, Chaitanya Tamhane, 2014]
Bollywood garante muitos momentos de diversão, mas de vez em quando é bom ver que a Índia ainda sabe fazer um cinema mais sério, com uma forte observação social. Em seu primeiro longa-metragem, Chaitanya Tamhane parte da morte de um servidor público e da consequente acusação contra um ativista político por ele supostamente ter influenciado o homem a cometer suicídio para elaborar um painel sobre o funcionamento da sociedade indiana. Da maneira como as pessoas se comportam em suas vidas privadas, que vão sendo examinadas à medida que o julgamento vai acontecendo, à própria mecânica do sistema judiciário do país, para o qual a imagem da cobra que morde o próprio rabo seria uma bela metáfora. Irônico, mas sem nunca perder a seriedade, Tamhane realiza uma obra humana acima de tudo.
Zoom
[Zoom, Pedro Morelli, 2015]
Cinema adolescente com roteiro adolescente, piadas adolescentes e uma sensação adolescente de que tudo aquilo é extremamente original. Pedro Morelli tinha feito um trabalho consideravelmente melhor em Entre Nós, que nem era um grande filme, mas pelo menos era mais coeso e bem menos pretensioso. Talvez o pulo para uma produção internacional tenha redimensionado as coisas – pro lado errado. Trabalhar com um elenco internacional e majoritariamente em inglês pode ter influenciado em encontrar uma trama mais truqueira, que reprisa aquela velha máxima das histórias paralelas que têm relação entre si – relação esta que aqui encontrou o pior gancho possível. Mariana Ximenes ficou robótica atuando em inglês e a virada de sua personagem é a mais tosca do filme. Allison Pill, sempre simpática, tenta encontrar algum caminho mais interessante embora sua personagem seja boba demais. O maior acerto é deixar a narrativa de Gael García Bernal toda em animação, mas isso não é suficiente para fortalecer o conjunto.
Chico, vi pouquíssimos filmes (só Francofonia, Academia das Musas e Beira-Mar). Li agora tua crítica. Queria saber se você gostou do desfecho do Beira-Mar. Acabei de voltar da sessão.
Não muito, Edu. Achei bem away.