O MODERNINHO E O ENGAJADO
Ou: quando dois bons cineastas pisam na bola
Era uma vez dois diretores de cinema. Um era norte-americano; o outro, inglês. Um ganhou Cannes com seu primeiro filme e anos depois levou o Oscar; o outro foi da Escócia proletária à Inglaterra vitoriana atuais para contar grandes histórias. Mas chegou o dia em que o prestígio do passado não foi suficiente para bancar suas apostas mais particulares: em 2002, Steven Soderbergh dirigiu Full Frontal, coletânea de pequenas histórias de pessoas que se cruzam nos Estados Unidos. Em 2003, Stephen Frears lançou Coisas Belas e Sujas, coletânea de pequenas histórias de pessoas que se cruzam numa Londres periférica. Soderbergh fez um filme pequeno, mais um exercício de linguagem com a ajuda de astros amigos. Frears fez um filme de denúncia, relatando as mazelas dos imigrantes numa cidade estranha.
O filme de Soderbergh é pura elocubração intectualóide. Pessoas muitos inteligentes, levemente (ou não) neurotizadas pelo dia-a-dia do mundo atual, promovem encontros estranhos onde há muita verborragia e pouca criação. Julia Roberts e Brad Pitt são o chamativo para uma história independente, quase um tratado do diretor para mostrar que não é escravo em tempo integral do stablishment. Soderbergh só esqueceu de deixar seu longa menos exaustivo. As brincadeirinhas narrativas funcionam até a segunda página. Não evoluem e nem significam muita coisa. Sofrem de um mal estar terrivelmente em moda nos dias de hoje, o do nada a dizer. O diretor até tenta impor esta condição a alguns personagens, mas há muito cálculo para algo que parece mais ser um brinquedo.
O filme de Frears não vai muito além. Apesar de um esforçado protagonista, o longa soa sindicalista depois da primeira meia hora, quando se descobre que a intenção do diretor é mostrar a situação dos estrangeiros na Londres atual. Todos os personagens são imigrantes: há turcos, africanos, coreanos, libaneses, russos. Faltou um brasileiro para melhorar o caldo. Até os policiais da imigração são não-ingleses. Todos sofrem com o tratamento dispensado pelas autoridades locais e com sua invisibilidade perante a população. Frears covardemente esconde suas denúncias como drama romântico e filme policial, parece não querer deixar que o espectador perceba sua tática. Mas a capacidade inventiva do roteirista atinge níveis tão estratosféricos que é impossível não perceber aquele negócio… como é que chama mesmo? Ah, a tal da “ferida aberta”…
FULL FRONTAL
Full Frontal, Estados Unidos, 2002.
Direção: Steven Soderbergh.
Roteiro: Coleman Hough.
Elenco: Julia Roberts, Blair Underwood, David Duchovny, Nicky Katt, Catherine Keener,
Brian Krow, Mary McCormack, David Hyde Pierce,
Enrico Colantoni, Erika Alexander, Tracy Vilar, David Fincher, Jerry Weintraub, Cynthia Gibb, Coleman Hough, Terence Stamp, Brad Pitt, Camille Wainwright, Shirley Jones, Steven Soderbergh.
Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Edição: Sarah Flack. Música: Jacques Davidovici. Produção: Gregory Jacobs e Scott Kramer. Site Oficial: video.movies.go.com/products/2865003.html.
COISAS BELAS E SUJAS
Dirty Pretty Things, Grã-Bretanha, 2003.
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Steven Knight.
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Audrey Tatou, Sergi López, Sophie Okonedo, Benedict Wong,
Zlatko Buric, Jeffery Kissoon, Kenan Hudaverdi,
Damon Younger, Paul Bhattacharjee, Darrell D’Silva,
Sotigui Kouyaté, Norma Dumezweni, Adrian Scarborough.
Fotografia: Chris Menges. Edição: Mick Audsley. Direção de Arte: Hugo Luczyc-Wyhowski. Figurinos: Odile Dicks-Mireaux. Música: Nathan Larson (e música adicional de Christian Henson). Canção: David Byrne (“Glass, Concrete and Stone”). Produção: Robert Jones e Tracey Seaward. Site Oficial: www.go-underground.com.
nas picapes: Iko Iko, Cyndi Lauper.