Guerra ao Terror

Não há heróis em Guerra ao Terror. Os três atores principais do filme interpretam homens comuns, ou homens militares comuns, num cenário hostil a eles. São absolutamente ordinários. Seu senso de dever é o mesmo que eu, você ou o padeiro da esquina temos. Os três acreditam e defendem sua missão e fazem o que podem para cumpri-la, mas não protagonizam espetáculos de altruísmo nem escondem suas fragilidades. O efeito da guerra sobre o homem está em foco neste filme.

Filmes de guerra, até algum tempo atrás, respiravam grandiosidade e padronizavam comportamentos. Esqueciam do individual, que ficava perdido nos imensos campos de batalha. Havia um objetivo maior. O particular era detalhe. As coisas mudaram, mas poucas vezes essa transformação de perfil foi tão radical quanto em Guerra ao Terror. Como invade os bastidores de um conflito ainda em curso, o filme sequer cogita o gran finale tão caro aos representantes do gênero. Não se trabalha com uma meta, mas com o meio do caminho, a experiência, e como os personagens lidam com ela.

É um trabalho raro já que filmes que tentaram fazer coisas parecidas, como Platoon, de Oliver Stone, celebram tanto a experiência que terminam reféns dela e de suas sequelas. Guerra ao Terror faz o inverso: não filosofa, interpreta ou analisa os efeitos da vivência dos soldados. Assume a forma de documento que invade o microverso dos protagonistas e se põe a registrar suas ações e suas angústias. Essas angústias, por sinal, surgem discretamente, como extensões naturais do registro. O tom é discreto o tempo inteiro, embora o filme nunca se furte de abordar qualquer assunto.

O que talvez seja o maior mérito de sua realização é justamente um fator externo ao que se vê na tela, o fato de ser uma mulher quem comanda esse retrato íntimo de um habitat tão notadamente masculino. Kathryn Bigelow, que já deu várias provas de talento em filmes menos ambiciosos, invade a clausura dos homens da guerra com imensa propriedade mesmo (e especialmente) quando os personagens, longe do campo de batalha, vivem momentos de lazer, numa típica celebração de virilidade. Bigelow dá a cena um quê de pausa intimista, de bálsamo merecido, como provavelmente apenas uma mulher faria, enxergando a sensibilidade e a importância daquele momento.

Cenas assim garantem a esse filme uma vaga entre os melhores do gênero facilmente. Bigelow, além de demonstrar sua competência técnica num trabalho com imagens impressionantes, é fiel a sua proposta de investigar o homem comum. Não é à toa que os atores mais conhecidos do público saem logo de cena. O que interessa é Guerra ao Terror não atende pelo nome ou pelo que eu, você e o padeiro da esquina entendemos como heróis.

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[The Hurt Locker, Kathryn Bigelow, 2008]

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