No tom certo

Dar o espaço certo ao exagero é uma missão muito difícil para qualquer artista. Poucos conseguem sucesso aos explorar esses limites que o que têm de nebulosos, têm de tênues. O texto de Inconscientes é todo baseado em sua capacidade de ser afetado sem sair do tom. E impressiona como o diretor Joaquín Oristrell é feliz em assumir o excesso: há um equilíbrio complicado de conseguir entre o escrachado e o sério. Há uns ecos de Pedro Almodóvar no início, embora o resultado seja muito diferente. A direção dá tanta consistência ao absurdo que ele se torna plausível. É louvável quando um cineasta acredita no seu filme.

E o roteiro é inteligente: brinca com Freud numa história de suspense que aborda alguns tabus de maneira leve e natural – e é construído quase que como uma homenagem ao cinema. Nada totalmente original, mas uma delícia de ver. A montagem acompanha o ritmo do filme, que tem fotografia esperta, sofisticada, quase hitchcockiana em alguns momentos. O timing do elenco é muito bom: a protagonista Leonor Watling, que pecava por estar além do tom em Minha Mãe Gosta de Mulher, consegue se encontrar aqui, ao lado de um inspirado Luis Tovar e da ótima Mercedes Sampietro. Inconscientes é a maior supresa deste ano até agora.

INCONSCIENTES
Inconscientes, Espanha/Alemanha/Itália/Portugal, 2004.
Direção: Joaquín Oristrell.
Roteiro: Dominic Harari, Joaquín Oristrell e Teresa Pelegri.
Elenco: Leonor Watling, Luis Tosar, Alex Brendemühl, Mercedes Sampietro, Núria Prims, Ana Rayo, Juanjo Puigcorbé, Marieta Orozco.
Fotografia: Jaume Peracaula. Direção de Arte: Llorenç Miquel. Música: Sergio Moure. Montagem: Miguel Ángel Santamaría. Figurinos: Sabine Daigeler. Produção: Mariela Besuievski, Marta Esteban, Josean Gómez e Gerardo Herrero. Site Oficial: Inconscientes.

rodapé:
A Hora da Zona Morta, de David Cronenberg.
A revisão veio na hora. Continua muito bom, mas tem algo de datado. Cronenberg não dirige bem o Christopher Walken, que muitas vezes está canastrão. Guarda um encanto nostálgico, mas impressiona bem menos numa época onde é pecado não se apoiar tanto no mágico.

nas picapes: Blue Monday, New Order.

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