Inside Llewyn Davis

As coisas simplesmente não acontecem para Llewyn Davis. As notas melancólicas do folk que ele toca não apenas são seus instrumentos de trabalho, mas parecem emoldurar seu espírito e, de certa maneira, traduzir sua essência. Músico talentoso, cantor de rara sensibilidade, o homem já está na batalha para ser reconhecido por sua arte há um bom tempo, mas, quando não se depara com os empecilhos da vida, do mercado, das gravadoras, encontra obstáculos em si mesmo. Llewyn Davis tem rígidos princípios éticos em relação a sua música, embora seu conceito de moral – quando a questão é sobrevivência – seja bastante elástico.

O homem comum sempre esteve no centro do cinema dos irmãos Coen, embora alguns dos personagens de seus filmes estivessem envolvidos em situações fora do normal. A trajetória do protagonista de Inside Llewyn Davis, longa que abre nesta quinta-feira a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não abre espaço para grandes eventos ou cenas pouco ortodoxas. O homem comum deste filme é um homem comum mesmo. Os diretores parecem interessados em acompanhar a vida circular do personagem, uma odisseia construída a partir de pequenos fracassos. É desse espiral de desilusões que se repetem que surge a poesia irônica do filme.

O guatemalteca Oscar Isaac faz jus à melhor oportunidade que recebeu na carreira. Ele lança Llewyn Davis num intervalo idiossincrático entre a falta de pudores de um homem que pede, noite após noite, abrigo na casa de conhecidos ou desconhecidos e um artista que não admite fazer concessões. O personagem, inspirado na vida e na obra do músico Dave Van Ronk, é difícil de classificar: a fragilidade e a sutileza de suas apresentações musicais contrastam com a brutalidade de quando seu orgulho é ferido. Falta harmonia para Davis, sobra para Isaac.

O ator, que tem formação musical, assumiu, ele mesmo, os instrumentos que toca. O que seria um acessório se transforma em créditos para sua interpretação. A dedicação de Isaac para chegar até o âmago desse homem complicado que é seu personagem transparece na tela. É comum ver um artista empenhado em interpretar outro artista com tanta sinceridade no cinema. É raro vê-lo conseguir. Isaac transita com facilidade entre a melancolia daquele universo, daquela Nova York fria do início da cena folk, e o humor negro, marca dos Coen, que habita em todo o filme. Humor que se apodera da falta de sorte do protagonista para ajudar a traduzi-lo.

Na jornada de azar do músico, grande coadjuvantes cruzam a tela. Desde a namorada do amigo – Carey Mulligan deliciosamente furiosa, flertando com o overacting, mas sempre escapando por pouco – até o estranho chapado – John Goodman, literalmente alucinado, no que parece ser um personagem surgido apenas para provocar Llewyn Davis. Justin Timberlake e Adam Driver também dão as caras, ambos promovendo quase pequenas revoluções na vida do protagonista. O roteiro apresenta todos de maneira inusitada e os tira de cena do mesmo jeito.

Os Coen sempre tratam de quebrar nossas expectativas, seja com a má sorte crônica do personagem, seja com cenas que insinuam determinados desfechos, mas trombam com o imprevisível. Seja com uma curva que nunca é feita ou com o carinho que responde a uma grosseria, a imprevisibilidade parece ser um dos temas principais do filme: para os diretores, estamos todos, assim como – e junto – com personagem, sujeitos ao destino e à (boa ou má) vontade dos outros. As coisas às vezes simplesmente não acontecem.

Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Só EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Inside Llewyn Davis, Joel Coen & Ethan Coen, 2013]

Veja também:

Guia de sobrevivência na Mostra

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