Joaquim — ou “Tiradentes Origens” — é uma bela maneira de reconstruir a imagem de um ícone. Mais do que isso: é um filme sobre transformação, uma metamorfose lenta e gradativa, sem que essa mudança seja promovida por um agente externo muito evidente, como a religião ou um trauma. A cena inicial, com a cabeça decapitada do protagonista se apresentando ao espectador, no melhor estilo Machado de Assis ou Crepúsculo dos Deuses, apesar de ser um prefácio didático para quem não é íntimo da persona de Joaquim José da Silva Xavier, o mártir da Inconfidência Mineira, como ensinam os livros de história, já indica a falta de compromisso do diretor em ser exato ou definitivo sobre o que quer que seja.

Marcelo Gomes acerta ao fugir do padrão clássico, o que dá uma energia original ao organismo vivo que o filme se torna por causa destas escolhas, embora o formato possa parecer cansativo em sua reta final, onde talvez concentre todas as informações que não espalha ao longo do filme. Estilisticamente, o diretor se afasta de todos os seus trabalhos anteriores, mais tradicionais e mais “poéticos, e se aproxima mais um certo cinema europeu, mais interessado em traduzir sensorialmente as motivações de seus personagens. O conceito que valoriza a crueza ressalta o bom trabalho dos atores e da câmera, mas nos priva de mais momentos com a bela trilha d’O Grivo, reservada para o final.

A escolha de Júlio Machado é acertadíssima. O ator, com pouca experiência no cinema, se entrega completamente ao retrato de Tiradentes que Gomes pretende fazer: o homem comum, bruto, sem refinamento, que parece se mover muito mais por instinto do que outra coisa. Mas o grande destaque do bom elenco é a atriz portuguesa Isabél Zuaa, que, no papel de Preta, cuja performance visceral coloca o filme em outro plano toda vez que entra em cena. Os atores respondem muito bem às intenções do diretor, mas a ideia de se afastar da “lenda” de Tiradentes esbarre justamente no que não mostra: talvez não entregue tanto quanto se queira sobre o protagonista.

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[Joaquim, Marcelo Gomes, 2017]

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