Golpe Militar, Argentina, 1976. A mãe tira o filhos da escola. Os três se encontram com o pai e se mudam para o interior. Kamchatka mostra como a política mudou a vida de uma família. Geograficamente e emocionalmente. Mas o filme passa longe do discurso político, panfletário, engajado. É sobre pessoas que se amam, sobre família. Nunca se sabe qual o crime, o porquê da perseguição. Basta saber que eles têm que fugir.

A ditadura corrobora para a cristalização do núcleo familiar. Pais e filhos ficam mais próximos que nunca, na tentativa de sobreviver. Irmão e irmão, mais cúmplices. E o jovem que chega vira um amigo. Kamchatka também é um filme sobre perdas. Mas não necessariamente sobre a perda da liberdade. É sobre as perdas nossas de cada dia. O colega, a escola, o novo amigo. Tudo que vem e vai porque a vida é assim. E é sobre como lidar com essas perdas. Entendê-las mesmo sem aceitá-las.

Marcelo Piñeyro mais uma vez demonstra delicadeza e intensidade. Adota o filho mais velho como protagonista e olha para o mundo pelos olhos dele. O pequeno ator sabe sofrer, ser denso, ser frio e nunca deixa de ser criança. Sabe que a vida nem sempre funciona do jeito que se quer. Cuida do irmãozinho encantador que faz xixi na cama, como se fosse soldado em missão de honra. Fica pronto em silêncio para uma batalha que nunca travará. Ou que o acertará de outra maneira. Kamchatka é sobre pai, mãe, filhos e irmãos. Sobre amar sobre todas as coisas. Poesia não precisa de palavras. Basta um tapete e muitas estrelas, um rosto grande colado num rosto pequeno, uma mão sobre uma mão sobre outra mão.

Kamchatka EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Kamchatka, Marcelo Piñeyro, 2002]

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