Neste ano, meu reveillon foi low profile. Do jeito que eu queria. Um jantar simples e gostoso com amigos. Com um intervalo para ver os fogos na Avenida Paulista, mesmo debaixo de uma chuvinha chata. Essa foi a primeira vez que fui assistir à queima de fogos na Paulista in loco. Multidão nunca foi meu forte. Faço de tudo para evitar. Mas teve um dia em que eu não resisti. Foi em 2002, em novembro, justamente na Paulista. Era o dia em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil.

Eu estava emocionado de verdade. Lula era algo como um herói da vida real. Um homem que veio do povo, um marco de resistência num país coronelista, que nunca conseguiu se desvencilhar dos ecos de uma ditadura. O herói que, a partir daquele momento, seria o homem que mandaria no meu país. O que veio depois, incluindo denúncias de corrupção, não vem bem ao caso. Entre altos e baixos, Lula se reelegeu e agora chega ao último ano de seu segundo mandato. E é justamente no ano em que ele deixará o poder que sua vida chega ao cinema.

A trajetória parece mesmo film material. Um garoto pobre, que vive com a família nos confins do Nordeste, cruza um país num pau-de-arara, e passa por uma série de transformações. Vira feirante, metalúrgico, sindicalista, deputado, liderança nacional e presidente de uma nação. Mais dia, menos dia, alguém levaria essa história para o cinema. Nao dá pra questionar a validade de um projeto assim. O senão, antes de entrar nos méritos e deméritos do filme, é o momento em que ele está sendo lançado.

A cinebiografia do presidente Lula chegou aos cinemas com o presidente Lula ainda no poder. Isso, por si só – mesmo que o filme já comece explicando que não foi feito com verbas federais -, já é constrangedor o suficiente. Vincula a feitura do filme a um caráter oficialesco do qual dificilmente o longa será apartado. Mais constrangedor ainda é lançar o filme num ano de eleições presidenciais. Mesmo que o presidente não seja candidato. É óbvio que, mesmo que não tenha sido essa a intenção, o filme vira arma na corrida eleitoral.

E é com essa bagagem complicada que Lula – O Filho do Brasil chega aos cinemas. No entanto, apesar do que existe extra filme, a cinebiografia do presidente não é tão ruim quanto poderia se esperar, levando em consideração a carreira de seu diretor. Fábio Barreto, a despeito de suas complicações de saúde, nunca teve muito talento. Mas este longa é seu melhor filme (se bem que, para alguém que fez Bella Donna e A Paixão de Jacobina, isso não chega a ser grande coisa).

As primeiras cenas de seu novo filme são bastante documentais, quase evocando um cinema “vivo” europeu feito nesses últimos anos. Não chega a tanto, mas alguns elementos funcionam bem nesse sentido. O próprio roteiro começa muito apoiado na imagem, com poucos diálogos, um formato interessante. A primeira coisa que chama atenção é a fotografia. Gustavo Habda é bastante feliz na composição visual do filme, ora estourando a luz, ora buscando planos menos óbvios. A música, composta pelos mesmos Antônio Pinto e Jacques Morelenbaum de Central do Brasil, é bastante bonita e é provavelmente o elemento melhor usado no filme.

A interpretação de Glória Pires, como já era de se esperar, ganha destaque imediato. A atriz, embora seja porta-voz de muitas das frases clichê do filme, escorrega às vezes, mas consegue dobrar a barreira do sotaque com uma competência impressionante. A surpresa fica por conta de Milhem Cortaz, um ator para o qual eu nunca dei muita bola, que tem um papel reduzido, mas que está brilhante na maioria de suas cenas (embora esqueça de ser nordestino em muitos momentos).

O problema é que, passados os 25, 30 minutos iniciais, o capricho dá lugar à burocracia. Fabio Barreto, claramente inspirado em 2 Filhos de Francisco e seguindo o já comentado caráter oficialesco do projeto, liga o piloto automático e dirige tudo da maneira menos interessante possível. Nunca chega a fazer um filme ruim, mas não consegue mesmo fazer um bom trabalho. Os momentos constrangedores são poucos e rápidos, mas existem. O pior deles é quando inserem um “tem brahmeiro” no meio de uma cena.

Lula – O Filho do Brasil faz várias alterações históricas para dar uma polida na vida do presidente, mas nem dá para gastar muito tempo falando mal dessas mudanças porque elas mais parecem usadas em favor de fazer um filme “limpinho” do que de manipular o espectador. O diretor que me perdoe, mas não funciona nem pra fazer um filme maniqueísta. A mediocridade amarra o pacote sem ofender nem cooptar ninguém. E, se depender deste filme, o presidente Lula não vai eleger seu sucessor.

Lula – O Filho do Brasil EstrelinhaEstrelinha
[Lula – O Filho do Brasil, Fábio Barreto, 2009]

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15 comentários sobre “Lula, o Filho do Brasil”

  1. Tem filme que é bom nem comentar. Até falar mal é propaganda. Faço isso com A Vida é Bela, aquele filme imoral. Vou fazer também com dois ex-presidentes, o Collor e este aí, que não sabe ler, só falar.

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