Mad Max: Estrada da Fúria

George Miller teve trinta anos para reimaginar Mad Max e o fututo. E o cineasta australiano foi buscar as raízes de seu guerreiro do fim do mundo, trituradas pela máquina hollywoodiana quando a franquia migrou para os Estados Unidos no, então, último filme da série. O desafio do diretor, do alto de seus 70 anos de idade, foi enorme: resgatar a essência da personagem, remodelar o pós-apocalipse aos olhos e exigências atuais e, mais do que tudo, descobrir o tom certo para o cinema de ação dos dias de hoje. Era preciso convencer o fã dos filmes originais que cresceram com a saga e conquistar um novo público. O resultado é que Mad Max: Estrada da Fúria não nos dá sossego.

Miller jura de pés juntos que nunca teve a intenção de fazer uma refilmagem, mas, sim, de continuar e expandir o universo que criou. Universo este que estabeleceu as regras para os filmes pós-apocalípticos, mais precisamente no segundo e mais cultuado filme da série. Tem muito de verdade em sua afirmação: os princípios da trilogia original estão todos lá, mas ganharam elementos e detalhes novos. Ideias que ajudam a refrescar e atualizar a criação do cineasta. Mas não há como não perceber que, mesmo que não completamente consciente, existe uma intenção de apagar o terceiro longa, sem deixar de aproveitar muitos dos conceitos daquele roteiro.

É como se Mad Max: Além da Cúpula do Trovão finalmente tivesse saído do jeito que Miller imaginou. A Tribo Perdida, a versão dos Ewoks para o universo criado pelo australiano, dá lugar aos Garotos da Guerra, jovens que ao mesmo tempo em que precisam de transfusões de sangue para se manter vivos são guerreiros que acreditam numa espécie de vida pós-morte. Eles são apenas um dos elementos de uma sociedade complexa, distópica, comandada por um ditador deformado, em que Miller discute como o totalitarismo e o fanatismo religioso caminham juntos – e como a água, o bem mais cobiçado desse mundo, vira instrumento de chantagem espiritual.

Dito isso, é impressionante como o diretor, já na primeira aparição do protagonista, joga o espectador numa sequência ininterrupta de cenas de ação e só o devolve para a vida real depois que o filme acaba. Eis um longa que justifica, a cada 15 ou 20 minutos, o uso do 3D e o ingresso bem caro do IMAX. A ópera furiosa criada por Miller só funciona completamente quando as imagens e o som, concebidos para operarem no limite do excesso, explodem numa tela gigante de cinema. O filtro alaranjado, onipresente, que poderia incomodar, ajuda a emoldurar o mundo devastado de onde Max é sobrevivente mais célebre, o que não significa que ele receberá um tratamento especial do cineasta.

O anti-herói durão dos anos 80 passa boa parte da meia hora inicial do filme preso, apanhando ou servindo como “combustível” para os homens que o capturaram. Quase desaparece numa sequência razoavelmente grande, em que Miller apresenta a Cidadela, elemento central de sua história. Se Mel Gibson interpretava um homem embrutecido por uma sucessão de tragédias pessoais, o Max Rockatansky de Tom Hardy vive assombrado pelos fantasmas de quem não conseguiu salvar. Fragilizado, se reconstrói aos poucos. A primeira impressão é de que o ator parece intimidado com a responsabilidade de assumir uma personagem tão icônica, mas, aos poucos, a discrição de Hardy parece ser uma estratégia ousada de Miller.

Com um Max que demora para entrar no jogo, o diretor ganha tempo para vender bem duas grandes personagens: uma delas é Nux, um dos Garotos da Guerra, interpretado por um instintivamente descontrolado Nicholas Hoult, provavelmente num de seus melhores papéis no cinema. A segunda é uma das generais da Cidadela, a Imperatriz Furiosa de Charlize Theron, que parece ser uma grande atriz de filmes de ação, como vimos em sua performance impecável em Branca de Neve e o Caçador. Aqui, ela e Miller criam uma personagem memórável, a melhor personagem feminina de um filme da série, complexa e imprevisível, o verdadeiro motor do novo longa, que muitas vezes deixa Max em segundo plano.

Se existe um ponto fraco no filme talvez ele esteja nas mocinhas em perigo, que parecem saídas da São Paulo Fashion Week. No meio do deserto, isso pode ser meio estranho, mas o filme desvia sua atenção desse “problema” poucos minutos depois.

As pequenas ousadias de Miller (rivalizar o protagonismo de um filme com uma mulher, fragilizar o herói, criar guerreiros presos a tubos de sangue e ainda criar grupo de velhas motociclistas) revelam que o diretor não tem medo de correr riscos operando no limite do excesso para renovar sua obra, humanizar suas personagens, quebrar outros paradigmas de um universo que já havia quebrado paradigmas para estabelecer paradigmas. E, se uma esperada participação de Mel Gibson não acontece, o maestro Miller homenageia seus originais entregando para Hugh Keays-Byrne, o principal vilão de Mad Max, o papel de Immortan Joe, o principal vilão de Estrada da Fúria. Mas, como você vai perceber, vilões não são o mais importante aqui. O mundo acabou, tudo está fora da ordem e a única saída é pisar no acelerador.

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[Mad Max: Fury Road, George Miller, 2015]

Comentários

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26 comentários sobre “Mad Max: Estrada da Fúria”

  1. Um dos melhores filmes da atualidade! Realmente bom e surpreendente! Sou da nova geração e não cheguei a ver os primeiros, mas gostei pra caramba! Vale a pena e estou esperando chegar em DVD pra comprar!

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