Marcas da Violência

Há um limite quase invisível entre o sério e o bufo no novo filme de David Cronenberg. Um limite que pode ser enxergado com uma analogia de como a violência está perto do espetáculo no mundo atual, sobretudo nos Estados Unidos. Talvez seja esse o ponto central do filme, que o transporta da condição de cinemão para cinema grande. Compará-lo às tentativas mais escandalosas de lembrar da paixão norte-americana pelo que se convencionou chamar de cultura da violência (Assassinos por Natureza, de Oliver Stone, ou Tiros em Columbine, de Michael Moore) chega a ser covardia tamanha a sutileza de Cronenberg diante da questão.

O que chega a ser genial em Marcas da Violência – mais um exemplo de como um título bonito consegue ser deformado no Brasil – é justamente como Cronenberg coordena duas coisas: primeiro, a passagem do pequeno (a história da família) para o gigante (como ela reflete o país). Isso acontece com absoluta elegância, muito distante de qualquer caráter panfletário ou de denúncia, num crescendo de roteiro e direção, que, guardando todas as diferenças, me pareceu muito próximo do que Rithy Pahn conseguiu no maravilhoso Os Atores do Teatro Queimado. O segundo ponto é como todos esses signos estão mascarados sob a égide do filme de porrada, com cenas quase cômicas, cuja reação da platéia, inclusive, me incomodou muito, a princípio. Nada como o tempo para me mostrar que esse talvez seja o grande golpe do filme.

Mas Cronenberg vai além. Utilizando uma lógica muito cara aos quadrinhos, de onde a história foi emprestada, ele, além de tudo, consegue fazer um filme sobre a família. Aquela família que é você quem escolhe e sobre o futuro, aquele futuro que é você quem desenha. No filme do canadense, Tom Stall (Viggo Mortensen, à vontade) escolheu sua parceira (Maria Bello, brilhante) e com ela teve seus dois filhos. E nada vai fazer com que ele desista da família dele ou do futuro que ele desenhou pra ela. Nada que venha de fora, nada que venha de dentro. A silenciosa última cena, que, acreditem, eu ouvi um comentário numa fila da Mostra de que parece um final de produtor, é o laço mais perfeito – e mais coerente com tudo o que se viu na tela – no presente que Cronenberg escolheu para seu espectador.

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[A History of Violence, David Cronenberg, 2005]

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