A História entra para a História como se fosse uma linha reta, mas não é bem assim. De vez em quando é preciso vir alguém para usar uma pinça e mudar esse relevo, destacando um evento ou um personagem. É isso que Sofia Coppola fez em Maria Antonieta, assumindo o papel de advogada de defesa da rainha teen que foi parar na guilhotina. Seu filme é tendencioso, parcial e maniqueísta: e só é bom por causa disso.

Para Sofia, Maria Antonieta sofre do mesmo não-pertencer de Charlotte e Bob Harris em Encontros e Desencontros (2003), o que, ao contrário do que teimam em propagar, deixa seu cinema uníssono. Ela é uma estrangeira por imposição, uma refém de circunstâncias políticas e manobras de poder. Ao mesmo tempo, a diretora enxerga nessa adolescente sentimentos e inconsistências semelhantes aos de qualquer um na sua idade através das eras. Maria Antonieta não era exatamente especial. Era comum, era mais uma. Em escala ampliada.

Mas Sofia constrói sua rainha como heroína responsável, vencida pela necessidade de se submeter para se integrar. Antonieta é uma adolescente como a sua prima, mas é uma mulher dos anos 1780, com toda a carga de deveres e culpas que uma mulher recebia à epoca. Sofia enxerga a rainha também como uma mulher que sabia que era o papel dela conquistar seu marido e gerar um herdeiro e que se esforçou como pôde, mesmo sem saber muito bem, para fazer o que deveria. Essa duplicidade gerou um filme que não tem a intenção de fazer História, mas de ressaltar um personagem.

E, na defesa de sua escolhida, Coppola vai até o fim, sempre com a proposta clara de quebrar as expectativas de quem assiste ao filme. A melancolia é traduzida na exploração nostálgica de hits dos anos 70, 80 e 90, que – apesar de terem sido talvez o principal motivo para a sucessão de ataques abobalhados que o filme recebeu – emolduram as cenas com graça. O exagero da concepção de arte e figurinos reflete não um filme afetado, mas uma época afetada onde nossa heroína foi jogada bruscamente em carreira solo. A imagem do all star (não vi, que puxa!) – assim como a trilha – transporta o filme da condição de registro para a de impressão, opinião.

Não era pra todo mundo comprar a idéia mesmo. Sofia se arrisca e nos apresenta a sua visão/versão de Maria Antonieta sem se preocupar muito com a parcialidade do material. Kirsten Dunst entendeu tudo e se entrega à personagem despudoradamente. Adorável.

Maria Antonieta EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Marie Antoinette, Sofia Coppola, 2006]

Comentários

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16 comentários sobre “Maria Antonieta”

  1. Também gostei muito do filme, Chico. É engraçado ver os ditos críticos de cinema exigindo que uma obra de arte tenha apuro histórico quase científico. Vai ser quadradinho assim lá longe.

    Também fiquei com a impressão de que, na verdade, foram as vaias que o filme levou na estréia em Cannes que acabaram criando um efeito em cadeia poderoso. O que era uma reação irrefletida e até fortuita, talvez gerada por algum crítico francês mais jacobino, acabou como que obrigando que as análises posteriores se enchessem de ressalvas pré-concebidas. Tudo que li na imprensa brasileira, pelo menos, citava a tal salva de vaias. Interessante como um evento específico pode ser tão capaz de empobrecer a análise de um filme.

  2. Meu sistema de cotações vai de zero a cinco estrelas, Hudson. Não vejo sentido nesse que pára nas quatro estrelas. Vou ver se coloco no template, sim.

    Anderson, acho o filme muito fraco. Nem a bela interpretação do… James McAvoy salva o filme.

  3. Pois é, Anderson. De vez em quando acontece esse tipo de coisa com um filme tão bonito como “Maria Antonieta”. Certamente vou locar pra ver o All Star. Aliás, ele ainda vai estrear em Salvador…

  4. O grande filme incompreendido do ano passado, curiosamente parece reforçar a imagem de Sofia como uma das grandes ‘autoras’ do cinema contemporâneo. Excelentes comentários, e depois em dvd não deixe de ver o ALL STAR! 😉

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