Michael Fuith, David Rauchenberger

A pedofilia não é apenas um tema delicado. Talvez seja o mais delicado dos temas. Muito mais quando ela vem no mesmo pacote que sequestro e cativeiro. Quando se resolve contar a história de um pedófilo é muito muito fácil recorrer a uma visão tradicionalmente simplista da questão, que se apóia na repulsa do espectador pelo assunto e no sentimento coletivo de crime e castigo. Mas o diretor Markus Schleinzer, em seu filme de estreia, tratou de abordar o assunto da maneira mais séria possível, sem apelar para abusos de imagem, nem para a coerção do espectador.

A maior parte das pessoas que assistem Michael certamente sai incomodada da sessão porque o foco de Schleinzer não é no crime, mas na relação cotidiana que se estabelece entre os dois personagens: um homem adulto e um garoto de dez anos, que ele mantém como refém num quarto secreto de sua casa aparentemente normal. O filme já lança o espectador no meio da situação, evitando a tradicional explicação de como tudo aconteceu. O que importa para o cineasta é o dia-a-dia entre Michael e Wolfgang, independentemente de suas condições de criminoso e vítima.

Como evita o julgamento dos personagens e se dedica ao retrato, Schleinzer assume uma postura passiva que pode ser bastante incômoda para o espectador, mas a humanização do pédofilo enriquece o material. O diretor não procura entender, explicar ou defender o protagonista, mas dá a quem assiste a possibilidade de acompanhar seu cotidiano, entregando um painel mais amplo de seu complexo personagem e permitindo que ele, em alguns raros momentos, pareça até simpático, o que deve enfezar muita gente. Há muitas cenas em que homem e garoto parecem pai e filho: brincam, almoçam, saem para se divertir. Um ponto de vista raro em se tratando de um tema como este.

A experiência de Schleinzer como diretor de elenco – as crianças de A Fita Branca, por exemplo, estiveram sob seus cuidados – ajudou no resultado. O desempenho de Michael Fuith como o executivo pedófilo é contido e discreto, mas muito forte. O pequeno David Rauchenberger também encontra o equilíbrio exato entre inocência e amargura, nas situações mais singelas e nas mais cruéis. Sim, porque o diretor não abre mão de mostrar a privação da liberdade e a violência contra o garoto, mesmo que nunca seja escandaloso.

Para quem acha que seu filme não se posiciona sobre o assunto porque não julga o protagonista, Schleinzer preparou uma cena fortíssima e de bom gosto, a única em que existe um nu, a única em que o protagonista se permite brincar com aquela situação. Michael faz uma pergunta-piada para Wolfgang. O menino a devolve friamente, sem respiro, sem emoção, crudelíssimo. Muitas vezes, a língua é mais afiada do que uma faca. Muitas vezes, um crime esconde muitas outras histórias.

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[Michael, Markus Schleinzer, 2011]

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