MOSTRA DE SÃO PAULO – PARTE QUATRO

Um fim de semana não é tempo suficiente para se ter acesso a uma quantidade decente de filmes na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda mais quando este fim de semana é o primeiro da repescagem. Mas a gente tem que aproveitar o que se tem. E dez filmes em dois dias, por mais que seja cansativo e desgastante, faz valer a pena uma viagem de avião apenas para ver a Mostra. Na sexta-feira, não houve tempo para fazer nada além de rever, já entrando pela madrugada, os grandes amigos que ficaram na cidade e para matar a saudade da esquina da Paulista com a Augusta. No sábado, fila no início da tarde. Lembrança desagradável de que paulista adora fila. Enfim… a Mostra sem fila não é a Mostra.

O primeiro filme do dia veio da Escócia. Combinava bem com o frio que tomava São Paulo em pleno novembro. O Jovem Adam é o segundo longa-metragem do cineasta David Mackenzie, que leva às telas uma história tão gelada quanto a fotografia do filme. Ewan McGregor interpreta um homem que se refugia num barco que percorre o país, nos anos 50 ou 60, para se esconder de uma pequena tragédia. Nada muito original, mas a direção de Mackenzie explora o texto com uma frieza programada que muda o clima do filme. Isso é bom e é ruim. Se de um lado, a falta de emoção dos personagens deixa o longa mais interessante, o roteiro não consegue se sustentar bem por não apostar em nenhum caminho específico. Os bons atores nos dão boas interpretações, mas seus personagens não chegam a lugar nenhum. Peter Mullan, em papel pequeno e importante, é o grande ator do filme, que ganha muito com a tristeza da trilha de David Byrne, mas perde com a falta de intensidade de sua narrativa.

No ano passado, Tsai Ming-Liang apresentou Que Horas São Aí? no festival. O longa mostrava com habilidade o desencontro de um casal. Ela compra um relógio que ele vende numa passarela. Ela vai embora para Paris e o deixa apaixonado. Ele acerta as horas de todos os relógios que estão ao seu alcance para ficar perto dela do jeito que consegue. Neste ano, a Mostra exibiu um curta-metragem que continua a saga dos personagens do filme. Em A Passarela se Foi, a moça volta a Taipé para procurar o rapaz numa passarela que já não existe mais. O filme só tem consistência para quem viu o longa anterior. Não sobrevive sem ele. E é dispensável, mas a nostalgia dos personagens – e o amor de Ming-Liang pelo desencontro – deixam o curta nostálgico e bonito.

Lee Kang-Sheng, o ator de todos os filmes do cineasta apareceu na Mostra com sua estréia na direção. O maior problema de O Desaparecido é que ele é um filme de Tsai Ming-Liang. A câmera, o roteiro e os personagens se comportam como em todos os filmes do diretor. A estética e a linguagem são idênticas. Os filmes de Ming-Liang são extremamente cansativos, inclusive fisicamente. Exaurem o espectador. Aqui, a lógica e o efeito são os mesmos. Não se percebe onde começa o trabalho de Kang-Sheng e onde termina a obra do seu mentor. O filme, que mostra a busca de uma avó por seu neto desaparecido, fica melhor quando é apenas uma lembrança, como acontece em O Rio, O Buraco ou Vive L’Amour, o melhor filme de Tsai Ming-Liang, um homem com uma obra bonita e importante, mas que poderia ser mais digerível. Só um pouquinho.

O curta Fragile tem um plot de assustar: mulher morre em acidente e pede um último dia a um anjo. Mas o cineasta paquistanês Sikander Goldau pega todos os clichês da proposta e os trabalha, um a um, parindo um filme bonito. A fotografia explode em filtros e a música cria um ambiente doce que conquista o espectador. O tema da despedida fica mais envolvente porque o roteiro não cede a concessões. Um bom exemplo de como os chavões podem funcionar de vez em quando.

Luzes Distantes é a síntese do cinema feito na Alemanha nos últimos anos. Um cinema de cunho social. Feito aos moldes dos filmes de Robert Altman, cruza as histórias de várias pessoas na Europa atual, enfocando a crise sócio-econômica-cultural no mundo. Há momentos inteligentes e bem intencionados, mas o clima geral é de mensagem – o que deixa o material comprometido. O elenco tem altos e baixos. O destaque é Zbigniew Zamachovski (o Karol Karol de A Igualdade é Branca), um taxista que luta para comprar o vestido da primeira comunhão da filhinha. O filme segue desequilibrado (primeiro, engajado e político demais; depois, envolvente e bem escrito), mas termina com um problema sério: defende o caos absoluto e a falta de esperança. Os desfechos de todas as histórias pretendem ser impactantes, mas o conjunto se torna ingênuo como um estudante universitário que grita alto para que seu protesto seja ouvido.

O Jovem Adam
Young Adam, Grã-Bretanha/França, 2003
Direção e Roteiro: David Mackenzie, com base na novela de Alexander Trocchi.
Elenco: Ewan McGregor, Tilda Swinton, Peter Mullan, Emily Mortimer, Jack McElhone, Therese Bradley, Ewan Stewart, Stuart McQuarrie, Pauline Turner, Alan Cooke, Rory McCann.
Produção: Jeremy Thomas. Fotografia: Giles Nuttgens. Edição: Colin Monie. Direção de Arte: Laurence Dorman. Figurinos: Jacqueline Durran. Música: David Byrne.

A Passarela se Foi
Le Pont N’est Plus Là/The Skywalk is Gone, Taiwan/França, 2003
Direção e Roteiro: Tsai Ming-Liang.
Elenco: Lee Kang-Sheng, Chen Shiang-Chyi.
Fotografia: Liao Peng-Jung.

O Desaparecido
The Missing, Taiwan/França, 2003
Direção e Roteiro: Lee Kang-Sheng.
Elenco: Lu Yi-Ching, Miao Tien, Chang Chea, Lin Hue-Ching, Huang Kuo-Chen, Lee Yi-Chen, Chen Tzai-ting, Qui Yi-Chea.
Prosução: Liang Hung-Chih. Fotografia: Liao Peng-Jung. Edição: Chen Chang-Sheng.

Fragile
Fragile, Alemanha/Paquistão, 2003
Direção e Roteiro: Sikander Goldau.

Luzes Distantes
Lichter, Alemanha, 2003
Direção: Hans-Christian Schmid.
Elenco: August Diehl, Maria Simon, Sebastian Urzendowsky, Devid Striesow, Zbigniew Zamachowski, Ivan Shvedoff, Sergei Frolov, Anna Yanovskaya, Alice Dwyer, Martin Kiefer, Tom Jahn, Devid Striesow, Claudia Geisler, Aleksandra Justa, Marysia Zamachowska, Janek Rieke, Julia Krynke, Herbert Knaup, Henry Hübchen.
Roteiro: Hans-Christian Schmid e Michael Guttman. Produção: Jakob Claussen e Thomas Wöbke. Fotografia: Bogumil Godfrejow. Edição: Bernd Schlegel e Hansjörg Weißbrich. Direção de Arte: Christian Goldbeck. Figurinos: Ulrike Scharfschwerdt. Música: Carles Cases.

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